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A bondade acima das personagens [2]

por Tiago Moreira Ramalho, em 16.05.13

Lembro-me que quando o Manuel António Pina morreu, muitos diziam que era bom. Mesmo pessoas que não o conheciam diziam que era um homem bom. Suspeitavam, enfim. A capa da LER de 2011 tinha, por baixo da fotografia dele, em fundo amarelo, «a bondade acima da poesia». Esta coisa importa. Se a obra tem importância, se vive de si e por si, uma relação afectuosa com o seu criador não traz que benefícios. Por uma razão simples: a bondade do criador, a sua humanidade, transparece absolutamente no texto, do corpo do trabalho. A entidade criada é feita à imagem moral do criador. E poderemos entrar em largas discussões sobre o objecto estético, mas pró diabo (é esta a minha abertura ao diálogo) quem defender que o valor moral da obra não é, também ele, portador de beleza. O belo e o bom não têm proximidades meramente ortográficas. A estética é, também, uma ética. E a obra de um autor bom tornar-se-á, se tudo correr como se quer, melhor.

Leio o Bruno Vieira Amaral desde que o descobri nos blogues e no jornal i. Acho-o um homem bom. No que o Bruno escreve, e tenho o privilégio de partilhar apartamento blogosférico com ele há uns anos, estimulam-me igualmente os desafios estético e moral. Podemos ver isso num texto antigo, como o Lavandaria Vaticano, um dos meus preferidos de todos os que ele escreveu (talvez porque me tenha encontrado com ele no combóio um desses dias e o tenhamos discutido levemente; levou-lhe 3 horas a escrever), ou num dos mais recentes, como o Because Our Fathers Lied. De forma ainda mais intensa, pude assistir a isso hoje, quando apresentou o seu livro na Bertrand Picoas, e fez uma exposição sublime sobre isso das pesonagens em ficção. O julgamento feito por mim (ainda por cima com um epíteto como «sublime», destinado geralmente à expressão do deslumbramento mais insípido) poderá deixar desconfiança. Nada que possamos resolver, infelizmente, porque não houve gravação (ainda que o Bruno tenha a coisa em papel). O Bruno explicou, para deleite de quem o ouvisse, o que entendia da matéria. A personagem de ficção – seja boa ou má – é uma entidade moral e o jogo de identificação e transformação do leitor quando por ela passa é, também ele, um jogo moral. Poderei ser abusivo na leitura (consequências do statu quo e assim), mas a interpretação é sempre uma leitura pessoal.

Claro que tudo isto se espalha pelo livro Guia Para 50 Personagens Da Ficção Portuguesa. Lidas algumas análises a algumas personagens, percebe-se o que faz o Bruno. Não há ali uma análise literária. O Bruno borrifa-se, felizmente, para a «construção da personagem». Subentende-se que a construção é competente para que haja a inclusão, mas a análise é puramente desligada dessa vertente técnica, desse lado artesanal. O Bruno olha para a Quina como se a Quina fosse de facto uma mulher, gente. E a Quina vê-se, enquanto espécie de ser humano, escrutinada pelo Bruno, como se estivéssemos ali os dois, ele que escreveu e eu que o leio, numa quadrilhice de aldeia a comentar a sô dona da casa da Vessada. Blimunda e Baltasar vêem o seu amor analisado e, a partir daí, é o próprio Amor que é analisado. O Raposão, e talvez este seja o caso mais paradigmático, é um malandro que acaba lixado porque «Deus não dorme».  O Bruno transforma todas estas abstracções em gente e, por consequência, em entidades morais.

Talvez não tenha sido esse o seu objectivo. Talvez não compreenda isso na totalidade. Mas isso, no fundo, é um derivado do fenómeno conhecido e sobejamente explanado aqui hoje, consigo, neste espaço de conteúdos que é o Atentado ao Pudor. O tipo é bom. Gracejei, evidentemente, no post anterior. Gostamos, por cá, de nos associar a este ou àquele referindo-nos a eles como nossos grandes amigos, possivelmente enquanto elevamos um pouco o queixo, sorrimos e, se o desgraçado está à beira, lhe damos uma boa palmadinha no ombro retesado. O meu grande amigo não é propriamente um grande amigo meu. Mas não deixa, por isso, de levar com elevadas doses (agora públicas) de admiração da minha parte. Muitos parabéns, ó Bruno.

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publicado às 23:32


A bondade acima das personagens

por Tiago Moreira Ramalho, em 16.05.13

O Metropolitano de Lisboa permite-me ver o saldo do passe do utente que passou na plataforma antes de mim. Se isto seria já de si recriminável pelas razões que, de tão evidentes, me escuso a expor, torna-se absurdo quando compreendemos que a pessoa que passou não pode, por muito que queira, ver que saldo tem – esperar, ali, é tramar a saída e ficar a ganir por um técnico da empresa ou passar à socapa num comboiinho confortável com alguém simpático. Atenção, não se pense que eu rejeito algum absurdo. Aliás, eu abraço o absurdo. É a minha forma de ir sustentando os dias (digo-o com leveza, pois). Aprendo francês, por exemplo. Perguntava-me no outro dia, no Bairro Alto, uma rapariga cujo nome nem m’alembra porque é que eu aprendia o francês se a língua está, dizia ela, a morrer. Nós também, não é?, respondi eu. Ela assustou-se muito e foi juntar-se a gente mais divertida. Por isso, sim, eu gosto muito do absurdo. Mas o absurdo tem de ser, como todas as outras coisas, doseado. E o Metropolitano de Lisboa não doseia. Exagera. Hoje, ao ver que a senhora que passou à minha frente, uma senhora de meia-idade, provavelmente mãe de família, com algum sucesso profissional, um marido carinhoso, desses modernos, tinha apenas 5.06€ no cartão Lisboa Viva, senti-me um voyeur, mais que tudo, e isso é que custa, desnecessário. Aconteceu-me isto quando voltava da apresentação do livro do Bruno Vieira Amaral, meu grande amigo (é uma expressão muito corrente; voltaremos a ela) e autor (como dizem algumas pessoas, quando se querem referir a gente que escreve livros). Agora não é altura para isso, porque pronto, mas escreverei umas linhas sobre o assunto.

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publicado às 22:41


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por Tiago Moreira Ramalho, em 16.05.13

É hoje, pá.

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publicado às 17:24





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