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Apagar o fogo

por Rui Passos Rocha, em 28.08.13

Ouvi dizer há tempos que os países da Europa do Sul, por serem aqueles em que as leis e a Justiça pior funcionam na Europa comunitária, são também aqueles em que mais advogados e juristas há por, vá, 1000 habitantes (não fui confirmar: dá demasiado trabalho e a "certeza" deste "facto" é o que sustenta o que vou dizer a seguir, logo não me convém infirmá-lo). Acontece que, segundo o Correio da Manhã, esse farol de coisinhas deliciosas, pelo menos 10 fogos dos que têm tirado o sono a muitos bombeiros - e a muita gente de esquerda raivosa de fraternidade - foram ateados pelo mesmo homem como vingança por a sua ex-namorada o ter trocado por um bombeiro. É ternurento, não é?

 

Eu sei que uns quantos especialistas associam a maior área florestal ardida no Norte e no Centro ao facto de os pinheiros bravos e os eucaliptos, que por ali pintam a paisagem, arderem muito melhor do que os sobreiros do pachorrento Alentejo. Isto é factual, mas os factos são aborrecidos. Gosto de pensar que deus nosso senhor estava em dia não quando decidiu juntar flora de boa combustão e gentes mais conservadoras do que a média numa mesma área geográfica. Perdoemos-lhe, como pede Jesus no evangelho de Saramago. E convenhamos que, sendo as gentes deste tipo e as árvores daquele, a empregabilidade para bombeiros nesta área do país é coisa para merecer um brinde - com cerveja, é certo - de Pires de Lima. Mais a Sul, onde se faz cortiça, a casca grossa dos sobreiros pode bem ser parte do que faz dos homens mais homenzinhos.

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publicado às 16:19


Um homem justo

por Tiago Moreira Ramalho, em 23.08.13

O dr. Menezes, excelso político do Norte, prestabilíssimo Presidente de (ou da?) Câmara, bom mediador entre o povo ignaro e o produto financeiro sofisticado, tem ajudado, esperamos que do próprio bolso, um vasto conjunto de pessoas que infelizmente precisam de ajuda. Competente e bom, o dr. Menezes, que não deixa o povo à míngua. Pelo menos não agora, que falta pouco para Setembro. Diz-nos o Público que, entre outros jeitinhos, o dr. Menezes já pagou rendas de casa, contas de luz e tem fornecido porcos com fartura para as festinhas de bairro. «Ele matou a fome a muita gente», diz uma senhora, claramente impressionada. Pelo caminho, assegura, por via da sua prestimosa secretária pessoal, que se for Presidente da Câmara do Porto fornecerá habitação social aos vários queixosos que, por estes dias, têm visitado a Câmara de Gaia. O dr. Menezes ganha deste jeito uma aura de senhor feudal. Não apenas na compra das lealdades, mas também na sobrevivência por conta delas. Uma aura apenas possibilitada pela perigosa combinação de duas coisas: um recrudescimento da miséria, por um lado; um carácter singular, por outro. Dizem as sondagens que vai ganhar. Façam bom proveito.

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publicado às 13:28


Agora a sério

por Rui Passos Rocha, em 21.08.13
Não sei se é da minha feliz falta de preocupações, se das parcas notícias que me temperem e ocupem com vidas alheias: facto é que o Jardim da Estrela nem sempre me é só cenário idílico e local privilegiado para umas leituras. Há coisa de um mês, lembrarei bem, aconteceu-me fixar o olhar num pato-bebé que se deixou ficar para trás a meio da particular Marcha dos Pinguins empreendida pela família, desde um lago até um jardim afastado (tão afastado que os perdi de vista). Não pude voltar à ficção escrita enquanto o ouvia grasnar debilmente; só o fiz, e por pouco tempo, quando uns 20 minutos depois parte da parentela adulta o resgatou.

Hoje foi bem pior. Sentado noutro banco, dividia eu o tempo entre ler e observar o miúdo que, esquina sim esquina sim, caía do triciclo. O que me fez olhar para o chão junto a mim, e ver um farrapo preto lá estendido, foi o estalido anormal que ouvi à passagem do miúdo pela minha frente. Não era um farrapo: era um pombo com, quero acreditar, apenas uma asa partida. Ainda o quero crer, mesmo tendo visto o pombo arrastar-se vagarosamente pelos dois metros que o separavam do local do crime à valeta mais próxima; mesmo tendo visto o mesmo miúdo pisar-lhe, ao de leve é certo, a ponta de uma asa (só não lhe colocou de novo um pneu em cima, numa terceira ronda, porque desistiu com o meu protesto); mesmo tendo visto outro miúdo dar-lhe, involuntariamente, um pontapé no bico enquanto se concentrava em vergastar o ar para assustar os patos em torno; e mesmo tendo registado, para uma memória de nada curto prazo, as bicadas desesperadas com que outro pombo, sempre junto ao moribundo, o tentava reanimar.

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publicado às 20:28


Sentir coisas (2)

por Rui Passos Rocha, em 16.08.13


A Sandrinha não foi na cantiga, por isso optou pelo second best, confesse lá.


Não só nas candidaturas às freguesias de Lisboa - como demonstrei abaixo - há corações palpitantes de direita. Se o/a caro/a leitor(a) lê tão boa imprensa quanto eu, a esta hora saberá que Judite de Sousa (lê-se Juditfff de Sousa) está a preparar o divórcio de Fernando Seara, com quem partilhou 10 anos de voz afectada e benfiquismo troglodita. E saberá provavelmente ainda mais: que na origem da ruptura está - e eu morra aqui se o Correio da Manhã não está como sempre certo - uma relação, ou embrião de relação, entre Seara e a sua vereadora sintrense Ana Isabel Duarte.


Diz o CM que Ana Isabel, a responsável das contas em Sintra, já terá anunciado que assumirá idêntico cargo em Lisboa caso o seu carequinha Seara vença as autárquicas. Eu não sei quanto a vossemências, mas eu acredito na gestão de dinheiros por um casal apaixonado. Aliás, se Passos Coelho e Vítor Gaspar... vocês sabem, duvido que o país continuasse perto de um segundo resgate. Infelizmente contrataram o patrão da Super Bock, Pires de Lima, já depois de Gaspar bater a porta e com isso liquidar todas as hipóteses de uma paixoneta, ainda que regada a álcool, mas sempre com o sentido de responsabilidade que os tempos difíceis requerem.


As paredes de Lisboa, repletas de mensagens e graffitis de amor, votariam Seara se este fosse um país democrático. Agora que o tribunal da capital deu luz verde ao romance, perdão, à candidatura de Seara, apenas o coração empedernido dos lisboetas poderá obstar a que Seara e Ana Isabel cheguem de comboio à capital, na meia noite após a vitória eleitoral, e como Lenine na Finlândia sejam aclamados, lhes seja cantada a Marselhesa e o mundo finalmente possa ouvir as preces de paz e amor das sucessivas Misses.

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publicado às 17:38


Sentir coisas

por Rui Passos Rocha, em 14.08.13
Um banho de imersão e isso passa-te.

 

Quero agradecer publicamente a quem, da candidatura de Fernando Seara, tentou que o slogan Sentir Lisboa fosse adaptado a todas as freguesias. Tenho a certeza de que alguém o propôs, a bem da uniformidade e poesia da coisa, tendo logo sido posto em sentido pelos colegas. Imagino uma cena ao estilo 12 Angry Men:

 

 

O primeiro a levantar-se - logo o mais fundamentalmente contra a proposta de que todos sentissem as suas freguesias - foi Vasco Morgado, que, quiçá não sem antes apalpar o rabo para se certificar de que tudo se mantivera intacto, exclamou: "Eu recuso-me a Sentir Santo António". É compreensível. Afinal o santinho é o famoso padroeiro de, entre outras, as pessoas que desejam encontrar objectos perdidos. Felizmente o Estabelecimento Prisional de Lisboa (aquele ali no topo do Parque Eduardo VII), onde muitos sabonetes são dados como desaparecidos, pertence à freguesia de Campolide. Logo a seguir a Vasco Morgado terá sido a vez, por motivo semelhante, de Paulo Quadrado (São Vicente) e Ricardo Crespo (São Domingos de Benfica). António Manuel, o candidato a Sentir Santa Maria Maior, poderá ter ficado indeciso, mas não dou certezas para não ganhar fama de desbocado. Por fim, desconheço o que terão sentido e feito Carlos Macedo (Beato) e Luís Madeira Carvalho (Misericórdia), mas todos sabemos até que ponto um fundamentalista religioso se pode abrir à mensagem divina.

 

Interessa-me sobretudo o caso de João Grave, o candidato à minha freguesia, Arroios. Trata-se do único candidato a querer sentir, no caso "uma pequena corrente de água", sendo este o significado que o meu dicionário dá a um arroio. Eu não tenho nada contra isso; só acho que não havia necessidade de o publicitar. Pessoalmente também tenho um gostinho particular em deitar a carcaça na água quente da banheira e sentir a leve corrente beijar todos os meus poros, mas até hoje, e juro pela minha mãezinha, não senti pulsão de o colocar em cartaz. Confesso que não sei também o papel que Isabel Pinto Pereira, a candidata da coligação ao Lumiar, terá em Sentir Arroios, dado o meu dicionário definir lumiar como tirar de um campo a água do Inverno. O que me deixa descansado é que Nuno Jordão (Ajuda), ainda que não tenha particular interesse em Sentir Ajuda, fosse isso o que fosse, quer Todos por uma Ajuda melhor. Acho que João Grave vai precisar.

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publicado às 14:47


Uma coisa é certa

por Rui Passos Rocha, em 10.08.13

"Não deu para perceber se eram de esquerda, direita ou anarquistas". Uma coisa é certa, acrescenta: "Eram açorianos".

 

Aqui está algo que me aquece o coração. Mais quentinho do que isto só imaginando a expressão facial de Christopher Hitchens quando lhe ocorreu dar o título The Missionary Position à sua biografia da Madre Teresa. É impagável; é por merdas destas que dizem que o dinheiro não é tudo. No caso em apreço, ou neste caso sem preço, dois tipos a rondar a minha idade, e provavelmente também a minha idade mental, executaram a seguinte manobra de alto risco: furaram bravamente as linhas estratégicas das Forças Armadas portuguesas e deslocaram-se ao centro nevrálgico do regime, a Rádio Horizonte de Bobadela, de onde reivindicaram a independência dos Açores. O plano foi tão bem gizado que o locutor - ainda atordoado porque, coitado, nunca lhe ocorrera que a próxima guerra civil em Portugal começaria na sua pachorrenta Bobadela - conseguiu abafar a sua leitura do comunicado dos revolucionários mantendo a música no ar. Os ditos revolucionários, por sua vez - e note-se que são revolucionários modernos, sem ideologia nem credo, apenas com a sua identidade vincada, mesmo que não o queiram, bastando-lhes abrir a independente boca -, controlaram de tal modo o acto revolucionário que não deram conta sequer de que o locutor não estava bem posicionado junto ao microfone para que o povo apático e desejoso de uma revolução de inspiração açoriana o entendesse. "Foi uma cacofonia e ninguém entendeu", disse entretanto o director da rádio. Tenho só pena que a leitura não tenha sido feita pelos revolucionários, pois certamente a esta hora já circularia por onde tudo o que é sério e importante circula: o YouTube. Tenho aqui um pacote de pipocas que agradeceria.

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publicado às 12:09


Como se dissesse água

por Rui Passos Rocha, em 06.08.13

No livro The Love Affairs of Nathaniel P., de Adelle Waldman:

 

“We see the contradictions of the social world in which Nate lives—a world in which women are outspoken and independent, and yet, confusingly, seem to wilt at the slightest sign of disinterest from a man; a world where men can delay commitment infinitely if they prefer, while women begin to feel constrained by time. […] The pleasures of this novel—its lucidity and wry humor—are mixed with the sting of recognizing the essential unfairness of the sexual mores of our moment: after years of liberated fun, many women begin to feel terribly lonely when realize they want a commitment; men, who seem to have all the power to choose, are also stuck with an unasked-for power to inflict hurt. We’ll have to keep searching for an arrangement that works better, and monogamous coupledom may not be it, Waldman suggests. But she offers no balm, no solution—and tacitly resists a culture that offers sunny advice and reassurance to women.”

 

Posso propor uma solução alternativa, posso? Que tal homens e mulheres se compreenderem um bocadinho melhor? É que, não sei, as paredes de Paris, essas cuscas, têm imensas histórias – da comuna ao pós-68 – para contar de como as relações libertinas serviram acima de tudo os homens e as mulheres bêbedas de ideais contraditórios com a sua natureza. Mais do que isso, serviram sobretudo a juventude, ávida de experiências – o que é óptimo e envolve pernas e outras coisas.

 

“She offers no balm, no solution”? Que solução querem, que quadratura do círculo procuram que não seja a pura e simples procura de confirmação de uns nos outros, uma identificação mútua tal que se superioriza à mera empatia? É curioso que quase todas as propostas, sobretudo as vindas de homens, impliquem a cedência do sexo feminino à inconstância e ao experimentalismo masculino. É óptimo não é – para nós deste lado? A libertação sexual de há uns 50 anos foi maravilhosa, sim senhor, mas cá estamos nós de novo, monógamos, em busca de uma relação estável. Bem, elas mais do que eles, arrisco, porque eles chegam lá às apalpadelas (literalmente) e elas, muitas delas pelo menos, chegam lá mais por poder argumentativo deles (e umas apalpadelas pelo meio também, que as palavras não aquecem assim tanto). E ah, quão picuinhas elas conseguem ser, dizemos nós deste lado. Picuinhas? Experimentemos ter tanto a perder quanto elas. Sim, a perder. Afectivamente. Até biologicamente.

 

Não sei quantas ruas deve um homem caminhar até ser chamado homem, como canta o Bob Dylan, mas sei que a ideia de uma relação estável só se lhe atravessa nas fuças no exacto momento em que é óbvia e materializada. Até lá há que divertir-se, mais ou menos, há que testar, concedo com gosto. Lá chegado abre-se-lhe todo um mundo de certezas que o chocam, tal é a discrepância entre elas e as dúvidas de outrora. São certezas óbvias, incontestáveis. Torna-se até, perdoem os cínicos, um sentimental como Miguel Esteves Cardoso na crónica em que diz ter-se borrado de medo de que a sua Maria João, quando reabilitada, não o amasse mais. O tipo que passava os dias com ela, escrevia prosas de uma perdição inusitada sobre ela, leu que os tumores do tipo que ela sofreu podem mudar a personalidade e sofreu por antecipação com a hipótese remotíssima de que ela o deixasse. Isto sim, é límpido como sentimento. Como é límpida a epígrafe de Saramago no Caim: “A Pilar, como se dissesse água”.

 

É claro que mesmo o poder argumentativo, e agora dirijo-me às duas ou três senhoras que me lerão, é escorregadio: Pablo Neruda viveu anos e anos com Matilde, dedicou-lhe e, mais do que isso, baseou-se nela para dezenas de poemas, e mesmo assim, quando Embaixador em Paris, não resistiu a fazer-se à sobrinha dela, ou então era a criada da casa, uma das duas foi de certeza. Mesmo assim, vejam só, Matilde esteve com ele até à morte. Também Chico Buarque, o experimentalista-mor, talvez porque a intensidade das relações o inspirava, talvez porque ao se deixar levar para inúmeras relações desse tipo não encontrou a pessoa certa, foi provavelmente o tipo que mais corações despedaçou no século XX brasileiro, logo a seguir aos fofinhos dirigentes da ditadura militar. Bom para ele, não tão bom para elas, mitológico para inúmeras porque afinal aqui está um tipo com o poder de as perceber.

 

Onde quero chegar com tanto devaneio? A muito em forma de pouco: é possível compreender os anseios e as preocupações de uma mulher, até de várias mulheres se se for Chico Buarque. É mais provável consegui-lo tendo-se a dose certa de romantismo e, sobretudo, sabendo-se claramente o que se quer. É esta a parte difícil. Do mesmo modo, parece-me avisado da parte de uma mulher saber, também ela, o que quer, e não se deixar vergar facilmente pelo poder argumentativo do outro lado, porque é bem mais provável vir a ser vítima de experimentalismo do que vir a ser alvo da rara, raríssima, prova de confirmação natural que caracteriza o duradouro, o sublime.

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publicado às 11:30


A lareira do exame

por Tiago Moreira Ramalho, em 01.08.13

«“ (...) E assim, Lídia, à lareira, como estando/deuses lares, ali na eternidade/Como quem compõe roupas/O outrora componhamos/Nesse desassossego que o descanso/Nos traz às vidas quando só pensamos/Naquilo que já fomos/E há só noite lá fora”. O poema de Ricardo Reis, impresso no enunciado do exame nacional de Português do 12.ºano, fez a vida negra aos estudantes; foi-lhes pedido para explicitarem os valores simbólicos do espaço e do tempo em que ocorrem as recordações do passado, mas alguns dos alunos, em vez de se referirem à lareira como símbolo de tranquilidade e de segurança e à noite como tempo de eleição em Ricardo Reis para representar a velhice e a aproximação da morte, preferiram explorar uma interpretação mais livre.

Alguns responderam que Ricardo Reis “pôs-se à lareira porque tinha vindo do trabalho e estava cansado”. Outros optaram por argumentar que o heterónimo de Fernando Pessoa “esteve a compor a roupa” e foi para a lareira para “descansar das lides domésticas”. Houve quem dissesse que “tinha acabado de passar a ferro”. E ainda: “O tempo em que ocorreram as recordações estava mau e por isso ele foi para a lareira”.» Jornal Sol.

 

Percebo as dificuldades substanciais de se preparar um exame nacional de língua portuguesa, com a necessária análise de poesia e prosa, sem que haja critérios mais ou menos uniformizadores. Ao mesmo tempo, contudo, aflige-me a ideia de uma interpretação certa (ou errada) de um objecto artístico. O declínio das humanidades nasce da tentativa de explicar aos aspirantes que o que eles estão ali a fazer é aprender factos. Daí a termos um jornalista (que certamente virá das «humanidades») a dar como certa a «lareira como símbolo de tranquilidade e de segurança» e assim, é um saltinho lamentável. Mesmo que os catraios sejam todos umas bestas.

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publicado às 10:50





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