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Canção de engate

por Rui Passos Rocha, em 29.07.13

Ó Tiago, Tiaguinho, vá lá, não faças isso. Perdes tanto tempo a discutir com a Maria Teixeira Alves que não te apercebes de que já lhe conquistaste a desindiferença. Eu sei que a palavra não existe, calma. Mas a desindiferença é o passo fundamental. A partir de agora será sempre a subir - se ao cimo dela e só para a sentir, como cantava Manuela Moura Guedes, vocês lá verão. Digo-te com franqueza: às vezes no silêncio da noite eu fico a imaginar-vos aos dois. E é lindo prever o brilhozinho nos olhos dela quando tu lhe disseres vem que amor não é o tempo, nem é o tempo que o faz; vem que amor é o momento em que eu me dou, em que te dás. Homem, ela vai cair-te aos pés. Ainda mais se lhe disseres que não te importas com o quão intempestiva é. Diz-lhe algo deste género: acredito e entendo que a estabilidade lógica de quem não quer explodir faça bem ao escudo que és. Tal como tu, como eu, como todos, ela resiste a ir viver no bairro do amor, onde cada um tem de tratar das suas nódoas negras sentimentais. A tua tarefa é assegurar-lhe de que não há nada a temer. Mas não tenhas dúvidas de que toda a virulência dela contra a tua suposta homossexualidade, a que respondeste sugerindo que ela possa preferir Vénus a Marte, é apenas a carapaça que a protege de se desvendar: ela quer que o teu paletó enlace o seu vestido, como canta o Chico Buarque. Ela quer que um dia lhe dediques a tua obra-prima, assim ao estilo de Saramago para Pilar: "À Maria, como se dissesse água". Nota que poderias ter em mãos uma preciosidade: para além de não ser, tanto quanto pude imagegooglar, nada despiciendo, ela quer-te posto à prova: prova-lhe que não és gay, que ela provará que nada tem de lésbica, e nesta descoberta poderão até jogar um com o outro, se for coisa que vos excite, inverter os papéis até à exaustão. Já imaginaste a diversão? Esquece lá o progressismo por um bocado, ele não te vai aquecer os pés nas noites de inverno: leva-a a um amor egoísta e natural como um rio que segue o seu curso, como canta um tipo do país da bota. Com ela poderás não ter o que a todos enfada: um amor civilizado, com recibos e a cena do sofá, como canta outro senhor. Vai com ela que vais com Deus; talvez não tão figurativamente quanto quererias, mas vais. Haja paz e amor entre vós, sobretudo se devidamente documentados por uma câmara de filmar.

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publicado às 23:15


Maria [2]

por Tiago Moreira Ramalho, em 28.07.13

Maria Teixeira Alves será, em termos blogosféricos, uma espécie de Carlos Santos ao contrário. Este começou como um feroz social-democrata e terminou como um devoto democrata-cristão. Aquela é hoje a mais babosa boquinha contra a libertinagem, os maus-costumes e a vagabundagem, no sentido cesarinyico do termo. Possivelmente descobriremos daqui a alguns meses que é, na realidade, uma lésbica feliz, em união de facto com uma Marlene pugilista, que lhe dá os melhores orgasmos e com quem partilha um T1 na Estrela.

Ninguém disse que a liberdade para todos não comporta custos.

 

Adenda: Para que nos não assaltem as dúvidas, Maria Teixeira Alves veio aqui deixar em comentário o seguinte em sua defesa: «Ó meu amor, aí está uma coisa que não há o maior dos perigos de ser verdade, mas desafio-te a provares, caso contrário não passas de um GRANDE MENTIROSO.» Ficamos todos muito mais descansados.

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publicado às 22:53


Maria

por Tiago Moreira Ramalho, em 28.07.13

Chegou-me isto de um amigo que julgava que este Rui C Pinto era o nosso Rui Passos Rocha. Confusões lamentáveis, mas que me trazem de novo à extraordinária Maria Teixeira Alves, senhora assaz tonta a quem teriam sido de muito proveito umas sovas no recreio na idade apropriada. 

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publicado às 22:35


Os trabalhos do Casanova

por Tiago Moreira Ramalho, em 28.07.13

 

Há uns dias, na entrevista que Martin Amis deu à LARB, e da qual dei conta aqui a propósito de coisas pequenas, falava-se da «democratização» (um termo francamente infeliz neste âmbito) da crítica literária (porventura ditatorial em eras já perfeitas). A coisa não é nova. No prefácio ao belíssimo «The War Against Cliché», Amis partilha a mesma preocupação, explorando-a um pouquinho mais: «The reviewer calmly tolerates the arrival of the new novel or slim volume, defensively settles into it, and then sees which way it rubs him up. The right way or the wrong way. The results of this contact will form the data of the review, without any reference to the thing behind. And the thing behind, I am afraid, is talent, and the canon, and the body of knowledge we call literature.» Sem querer parafrasear detentores do grande capital – nisto, como Martin Amis, há muitos.

Não sei se Rogério Casanova é o tipo de pessoa que comente os livros no site da Amazon, mas quando falamos de erupções espontâneas de crítica literária através de meios pouco ortodoxos, ele é um bom exemplo de que nem tudo tem de desembocar em falta de talento. Apareceu num blogue, o Pastoral Portuguesa (há uns tempos fingiu que ia voltar). Daí, foi para a revista LER, depois para o Expresso e para o Público. Estranhamente, agora só está na LER, onde tem duas gordas páginas logo à entrada, além dos ocasionais textos longos lá mais para o meio. Em tudo isto foi brilhante. O livro Pastoral Portuguesa justifica parte da afirmação. O livro Trabalhos de Casa justifica o que resta.

Entendamo-nos: Rogério Casanova não é um crítico comum. Além dos artigos de polémica (possivelmente os mais interessantes), reunem-se aqui 50 críticas a livros. Das 50 (esta contabilidade é um pouco típica nelas), 31 são a ficção de autores anglo-americanos contemporâneos (ou quase), claramente o solo preferido de Casanova. Temos, depois, 3 de crítica literária de autores anglo-americanos contemporâneos. Seguem-se 2 livros de ficção de autores anglo-americanos que não são nada contemporâneos. Há dois russos mortos, um D.H. Lawrance também morto, e o José Rodrigues dos Santos. Sobram alguns, mas não vamos detalhar mais. Este «padrão de especialização», que ficou marcadinho na entrevista que fez a Geoff Dyer para a LER, já o torna invulgar por cá. Casanova parece importado de uma revista americana.

Ainda que a completa ausência de António Lobo Antunes (nem um) nos faça duvidar, percebemos que é português pela escrita. Não quero gastar aqui o Wilde, mas, enfim, é Domingo, e o homem escreve maravilhosamente. É um artista. Repete-se em algumas fórmulas. Ele mesmo nos avisa no prefácio para algumas. Por exemplo, na página 86 escreve: «uma cultura literária mais sã seria capaz de indentificar Freedom como aquilo que é» (o resto não interessa agora); na página 92, com o livro já editado em português, explica-nos que «uma cultura mais sã talvez pudesse ter recebido Liberdade como aquilo que é». É verdade que aquela é de Dezembro de 2010 e esta de Abril de 2011, e a suavização do tom (olhe-se para o «talvez») pode revelar que Casanova repensou a questão, que já não acha tudo tão evidente, tão, pronto, a preto e banco, e tal. Porque somos magnânimos, deixamos escapar.

O que importa aqui, porque é isso que se procura num livro desta natureza, é que Rogério Casanova nos ensina a ler. Isto será um cliché, mas nem todos são maus. O dever do crítico é, através do exemplo, ensinar-nos a ler melhor. A captação de pequenas malandrices (e aqui alargamos o âmbito) só é possível através da aprendizagem com quem o faz melhor. No prefácio do livro, Rogério Casanova pede-nos desculpa. Da minha parte, está tudo bem.

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publicado às 16:39


Ninguém

por Rui Passos Rocha, em 24.07.13

Acabei de ler um pouco interessante livro de Eduardo Galeano sobre futebol e passei para O General no seu Labirinto de Gabriel García Márquez, que retrata os últimos tempos de Simón Bolívar. Tal como o conquistador, o craque Maradona dependia da aclamação para justificar a abdicação que foi desde cedo a sua existência: "Necessito que me necessitem", disse, já curvado pelo peso da fama e da cortisona. Bolívar passou largos meses a jurar que deixaria a governação, mas desistiu sempre com os apelos dos apoiantes. Até que foi levado à decisão irrevogável - e aqui uso a palavra não no sentido do novo Acordo Semântico aprovado por Paulo Portas - e, com apenas o mordomo indefectível e Hugo Chávez bem longe dos planos divinos, se entregou aos desprazeres da melancolia e da ansiedade, só quebrados, a espaços, pelas visitas da namorada e uns quantos passeios junto ao rio. Menos sedentos de aclamação foram outros dois futebolistas, Eusébio e Garrincha, também eles geniais e, como Maradona, nascidos na pobreza. Garrincha era o miúdo de corpo disforme que todos desencorajavam mas que triunfou e acabou agarrado às lembranças e ao álcool. Eusébio, o 'pantera negra', foi em criança, enquanto não encantava nem fazia lucrar, carinhosamente apelidado de 'ninguém' lá em Moçambique. Portugal abraçou-o assim que percebeu que ele prestava para alguma coisa. Que prestava muito. Talvez ele não tenha esquecido, porque não perdeu o semblante triste, ter antes sido 'ninguém' e, não fosse o abraço da hipocrisia, ter podido sê-lo sempre. Prefiro imaginá-lo assim, inteligente.

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publicado às 16:45


Embarrassing

por Tiago Moreira Ramalho, em 23.07.13

Martin Amis visivelmente confuso com o estado do mundo.

 

Excerto da entrevista que Martin Amis deu à Los Angeles Review of Books:


«Jane Graham: Talking of the democratization of culture, what do you think of Pippa Middleton becoming a contributing editor for Vanity Fair?
Martin Amis: Pippa Middleton…
Jane Graham: It’s Kate Middleton’s sister — Princess Kate.
Martin Amis: She’s going to do a column? That is shocking.»


Excerto de um texto de Pippa Middleton na Vanity Fair:

«I was at Wimbledon with my dad watching Tim Henman and Pete Sampras play. We were sitting quite close to the players’ court entrance. When Tim Henman walked onto the court, the crowd cheered him, and as he neared our seats my dad mistakenly yelled, “Come on, Pete!”

That was embarrassing.»

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publicado às 12:17


Dans la Maison

por Tiago Moreira Ramalho, em 22.07.13

 

Vi o trailer depois de terminar Camille Claudel, 1915. Saí da sala do Monumental e parei (poderia dizer que estaquei, mas preferi não o fazer) no meio do corredor espreitando para dentro da sala do lado oposto (a senhora cujo mister é rasgar os bilhetes de quem entra pareceu-me um pouco confusa com o comportamento, ou talvez com a posição, dado que eu estava desnecessariamente debruçado). Um miúdo; um professor de literatura que o apadrinha; ares de thriller; tudo em francês. Coisa suficiente para me levar a ver o filme.

No início do ano lectivo, no Liceu Gustave Flaubert, Claude surpreende o professor com um ensaio (à suivre) sobre o que fez durante o fim-de-semana. Na composição, os seus 16 anos deixam cair sobre a família do colega Rapha uma análise tão clínica quanto cínica que culmina na soberba descrição da ociosa mãe como tendo o «característico cheiro das mulheres da classe média». O professor, intrigado pela possibilidade de um «dom», passa a dar aulas particulares ao rapaz, apresentando-lhe a grande literatura e revendo-lhe os textos que continuam a versar sobre a mesma «temática». Facilmente se opera um saltinho destas inocências para um emaranhado de voyeurismo que leva a família dos Rapha todas as noites para a cama de Germain, o professor de Francês, onde tudo é discutido com a esposa nos intervalos dos seus lamentos sobre a galeria de arte que não vinga e as patroas que não percebem nada do assunto. Conhecemos Rapha filho, colega de Claude, e personagem inapelavelmente desinteressante, apesar dos apelos do professor Germain para que se lhe dê mais relevância, recebida apenas quando, saindo do folhetim, aplica uma exemplar sova a Claude; conhecemos Rapha pai, um bronco feito de lugares-comuns, que chora recorrentemente por causa do chinês que lhe inferniza a vida, e provavelmente também com o cheiro característico dos homens da classe média, ainda que nada nos seja dito nesse sentido; e conhecemos Esther (Esther… Esther…), uma dona-de-casa cujo drama existencial é a inadequação da cor dos cortinados e que acaba sendo cobiçada pela visita adolescente. Claude mantém frouxas as fronteiras entre a sua imaginação e o real; nunca sabemos o que realmente se passa. Nem nós, nem Germain, que se abeira do desespero. No fim, indo contra os desejos do seu mestre, que lhe pede que continue, que a história tenha um fim, Claude pára de escrever. Procura, no entanto, no decorrer de um possível mal-entendido, um «fim para o seu professor». O professor, apropriadamente, e depois de alguns solavancos narrativos, cai em desgraça, com direito a barba por fazer, banco de jardim, e tudo.

Ozon realizou uma espécie de ensaio sobre a frustração, decentemente regado por algum humor e uma história de suspense (Que va-t-il se passer?). Há o homem frustrado com o seu trabalho; há a mulher frustrada com a sua falta de trabalho; há a outra mulher frustrada com as patroas ignaras; e há, acima de todas estas, a frustração de um professor de Francês cuja carreira literária nunca se concretizou. Só por causa desta última, ainda que todas as outras sejam bons combustíveis, é que pode surgir Claude Garcia, que poderemos descrever como um competente representante do Mal aspergido de aromas de Rimbaud. No fundo, tudo decorre de ter um dia o professor percebido que tomado todo não valia uma página das que admirava. Coisa que pode plausivelmente calhar a qualquer um de nós.

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publicado às 15:36


Sá da Costa

por Tiago Moreira Ramalho, em 19.07.13

Sobre a livraria Sá da Costa e sobre os lamentos generalizados, dos quais partilho, apesar de não gostar especialmente da livraria em causa (desgostou-me mais o encerramento da novíssima e brevíssima Trama, para ser honesto; valorizo, contudo, a importância de uma livraria, ainda para mais com cem anos), diria que um pouco de iniciativa não seria mal-pensada. Entre os desolados clientes, poderia perfeitamente criar-se uma posse partilhada, de quotas, ou acções, ou o diabo, para que a coisa se aguentasse de pé. Com alguma inteligência, nomeava-se para gestor um tipo que perceba de livros e, pelo caminho, perceba de contas. No fim, era como pertencer a um clube privado, a que os fãs já pertencem, para o qual se pagariam quotas. Isso seria levar todo o lamento, frustração e manifestação pública às naturais consequências. É que lamentar tudo isto enquanto se compram livros na Fnac escapa pouco à tontice.

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publicado às 15:24


O crítico sou eu

por Tiago Moreira Ramalho, em 15.07.13

Dan Brown com a mão na anca.

 

O renomado autor Dan Brown voltou a publicar um livro. O título é «Inferno» e já tem tradução em português, simpatia da Bertrand. Como é natural, por ser a repetição de uma ideia já compreendida por toda a gente, ainda que com umas diferenças de entoação e de gramática, uma forma assaz eficaz de sobreviver nos meandros da «crítica», amontoam-se os artigos a explicar, com mais ou menos cuidado, que Dan Brown é, infelizmente para o mundo, um péssimo escritor. A proliferação desta espécie de missa machuca a mente das gentes que não querem saber do Dan Brown para coisa nenhuma, mas que apreciariam a possibilidade de ler ocasionalmente uma boa crítica literária.

O mecanismo segundo o qual se criticam os livros de Dan Brown é comum àquele segundo o qual se criticam a maioria dos autores do género «mau». Pretende o excelente leitor que eu clarifique? Vamos lá a isso. Começamos por fazer alguns considerandos sobre a fama e a quantidade de livros que Dan Brown vende, confessando o nosso espanto por não ter o resto do mundo o bom gosto que nós mesmos temos no respeitante à boa arte literária. Maldizemos a condição humana e o mercado, que é consequência dela, por não vedarem a esta gente o acesso aos escaparates. No fim do lamento muito pertinente, porque é sempre necessário que discutamos a cultura nas plataformas de debate e exposição pública de ideias, começamos a nossa análise do livro. Nessa análise explicamos que Dan Brown tem uma má relação com a gramática, além de ter uma leve propensão para a repetição excessiva da mesma palavra ao longo das páginas. Seguimos para um ataque cerrado às figuras de estilo que, apesar de não dominar, o autor se esforça por martelar dentro do texto. Sinalizamos ainda, porque é o nosso dever fazê-lo, a inverosimilhança de pontuais peripécias e diálogos, pois é sempre necessário lembrar que não é concebível que um tipo comece a falar sobre irmandades secretas enquanto se esforça para descer por uma corda de um prédio em chamas. Se tivermos algum espaço livre ainda, podemos falar sobre o quão conveniente é a existência de uma história de amor tipificada, com uma mulher muito bonita no papel de ajudante do soberbo Robert Langdon, da invulgar forma física de um académico de meia-idade, ou da circularidade das personagens que têm uma fatal «falta de relevo».

Se a repetição simples de ideias feitas não fosse, já de si, coisa bastante (a menos que o crítico esteja, no fundo, a ensaiar uma mastodôntica figura de estilo, apoucando a simplicidade do livro através de uma crítica de uma simplicidade aparente, mas de elevada minúcia; convém, contudo, explicar cuidadosamente ao leitor que esta possibilidade é tão concebível quanto a ideia de Robert Langdon entabular uma boa conversa sobre irmandades secretas enquanto tenta descer por uma corda de um prédio em chamas), torna-se o espectáculo ainda mais infeliz quando a essa repetição se oferecem palcos privilegiados. A verdade é que este tipo de tralha jornalística é popular e os editores, apesar das vilezas da condição humana e do mercado, que é consequência dela, optam por lhes dedicar longas páginas. Foi o caso, por exemplo, do «Atual» desta semana, que permitiu que Clara Ferreira Alves expusesse com particular proluxidade os seus dizeres sobre o fenómeno danbrowniano. Peguemos neste caso particular para, em cima dele, teorizarmos sobre esta merda toda. (Tal como revelei um pouco mais acima, a temática em causa não me interessa, pelo que não li o artigo de CFA. Não faz mal.)

 

Clara Ferreira Alves apanhada de surpresa.

 

Quando foi a última vez que o «Atual» dedicou uma análise literária séria, de quatro páginas, a um grande escritor, esteja ele vivo ou morto? Não conto aqui com as entrevistas mais ou menos publicitárias e das «descobertas», mas falo de artigos de fundo sobre uma obra que mereça estar numa estante. As críticas literárias do Expresso, por regra, ocupam no máximo uma página, folgadamente partilhada com uma grande fotografia, para parecer mais bonito. Despacha-se, por exemplo, uma tradução de Nabokov (uma das muitas que a Relógio d’Água tem estado a publicar) numa tirinha de papel que, dada a parca largura, é insuficiente para uma apropriada limpeza do cu. Homero, Shakespeare, Tolstói, Brontë e até Pessoa são amontoados em comentários de contra-capa, tantas vezes com erros, em selecções que fazem as vezes de lista de supermercado do literato empenhado. Como não poderia deixar de ser, sobre eles despeja-se um conjunto de lugares-comuns que, por oposição às críticas a Dan Brown, lembram a profundidade das personagens, a mundividência que transborda, as verdades reveladas (para mais, remeto o bom leitor para um artigo de Rogério Casanova intitulado «Um dos Maiores et Cetera da Actualidade».) Excepcionalmente, Eça recebeu umas quantas páginas na semana passada, mas além da inevitável bonecada, foi tudo ocupado com entrevistas curtas aos bravos (entre os quais se conta precisamente Clara Ferreira Alves) investidos da nobre tarefa de prolongar a obra, com brincadeiras mais ou menos inspiradas e nenhum tratamento minimamente interessante da obra.

Entendamo-nos: todos, ou quase todos, os jornais literários fazem artigos jocosos sobre autores que se tornaram, pela fama, bobos da classe. Mal publicou o livro, Dan Brown foi gozado no Guardian, no Telegraph e em muitos outros lugares. Mas nenhum bom jornal ou suplemento literário pode dar-se ao luxo de dar mais importância a um jogral das letras que à boa literatura. Trate-se dos «Infernos» e da restante parafernália que o género publica na meia-dúzia de linhas que merecem e dêem-se as quatro páginas a um texto que valha o tempo despendido. De preferência, escolha-se, dentro do orçamento, um crítico que perceba alguma coisa do assunto.

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publicado às 15:45


Sob vários pontos de vista

por Tiago Moreira Ramalho, em 14.07.13

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publicado às 20:44

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