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Descansemos o leitor mais ansioso, pois falamos de um filme em que o personagem principal é Juliette Binoche: ela, como habitualmente, foi maravilhosa. Houve um certo excesso em mostrar-lhe, principalmente num quadro de fraca necessidade, as partes íntimas, por estar a «Mademoiselle Claudel toute sale», razão suficiente para um conjunto de dedicadas freiras a lavarem. Houve outro tanto excesso na caracterização das doentes que acompanhavam Camille Claudel na vida do asilo. Todas gemiam de forma mais ou menos homogénea, todas cumpriam respeitosamente o estereótipo do «atrasado mental», todas eram profundamente feias. Mas isso, porque somos magnânimos, desculpa-se facilmente. O que perturba é forma como se nos apresenta, ao lado de um bom trabalho no tratamento do rosto e da expressão, um trabalho miserável nos diálogos e uma performance extraordinariamente má de todos os actores que por acidente não são Juliette Binoche. Paul Claudel, em particular, e porque acaba tendo mais oportunidade para isso, provoca em nós um desconforto permanente, que apenas é interrompido por uma parte decididamente inspirada em que confessa a um padre que o seu salto de fé e o seu encontro com Deus se deram com a leitura dos poemas de Rimbaud. (Felizmente, houve risadinhas entre as 5 pessoas que partilhavam a experiência comigo no Monumental.) O que sobra de tudo aquilo é um estranho sentimento de pena por um filme que poderia ter sido extraordinário, mas que não superou o medíocre.
Há graffiti e graffiti, dirão os cínicos ou os interesseiros, mas nem uns nem os outros, que vivem ainda na crença de que a palavra de ordem cortar, cortar, ceifar, ceifar - pois afinal fomos até 2011, precisamente até meados de 2011, umas capciosas bestas, e desde então temos vindo a ser devidamente metidos na ordem - possa vir a ser trocada por crescer, crescer, ou até por corrigir, corrigir, percebem que o pouco tempo restante a quem nos governa do desgoverno anterior, ainda que esteja a desgovernar mais um bocadinho, não dá para subtilezas como descortinar se há graffiti e graffiti, uns artísticos, a estimular, e outros nem por isso. Corta-se tudo a eito e já está: tags, ou mijinhas nas paredes, como ouvi de um graffiter chamado Parks, não mais cabem na parede privada, ou no eléctrico público, e o mesmo destino vai para o abraço de Saramago a Pilar que vou vendo lá para os lados do campo das cebolas, ali mesmo num edifício que a propriedade privada legou desfeito ao visionamento público; e o mesmo acontecerá também ao "eu nunca fiz senão sonhar" que alguém foi pescar a Fernando Pessoa e colou à parede mais maravilhosa para o efeito, a do hospital Miguel Bombarda, que entretanto foi abandonado, ficou ao deus-dará, ou às moscas se preferirem - um ou as outras com certeza não dedicam um segundo do seu tempo a ler aquela parede; mas talvez haja humanos, entre os quais eu, que sempre que ali passam sorriem com a frase, melhor metida não poderia estar. Tenho a certeza de que Banksy teria algo a desenhar sobre isto, digo Banksy porque do lado de cá o génio está todo em quem governa, cujo tempo é necessariamente pouco, mesmo à justa para limpar as nossas borradas, tanto as de quem borrou a governação como as de quem borrou as paredes, tanto que nem tempo sobra tantas vezes para discutir os direitos das minorias, casar, adoptar, seja o que for, mas sempre se arranja um tempinho para lhes retirar outros direitos que ainda sobrem, como poderia ser o de se exprimirem em espaços públicos sem terem de antes passar pelo crivo arbitrário de quem governa e defende interesses nebulosos.
No seguimento do prémio nhénhénhé atribuído este ano às autarquias de Viseu e Viana do Castelo por uma entidade estrangeira que não significa nada para ninguém excepto para os autarcas recandidatos, o Atentado ao Pudor sabe que a escolha destes municípios, entre outros de outros países, seguiu um critério científico em muito semelhante ao que aqui reproduzimos, retirado da agência noticiosa 9GAG:
Verlaine é mais do que o velhote que deixou «folgadas marcas de pederastia» (segundo um médico da altura) em Rimbaud.
Mon rêve familier
Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D'une femme inconnue, et que j'aime, et qui m'aime
Et qui n'est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m'aime et me comprend.
Car elle me comprend, et mon coeur, transparent
Pour elle seule, hélas ! cesse d'être un problème
Pour elle seule, et les moiteurs de mon front blême,
Elle seule les sait rafraîchir, en pleurant.
Est-elle brune, blonde ou rousse ? - Je l'ignore.
Son nom ? Je me souviens qu'il est doux et sonore
Comme ceux des aimés que la Vie exila.
Son regard est pareil au regard des statues,
Et, pour sa voix, lointaine, et calme, et grave, elle a
L'inflexion des voix chères qui se sont tues.
Aqui o vemos, cheio de pica
Por esta altura já o caro leitor sabe, porque lê boa imprensa, nomeadamente o Morning Post português, que o vice-presidente da Câmara de Portimão tirou um papel das mãos de um inspector da PJ e o engoliu. O papel, não o inspector, que já recuperou do grave estado em que os espasmos de riso o deixaram. O papel, esse, já lá vai, provavelmente a caminho de embater numa rocha de Gibraltar depois de um longo trajecto pelos escorregas sanitários do Barlavento.
Não acho de bom tom gozar com o senhor. Acho até anti-democrático. Numa era em que os direitos políticos das mulheres são assegurados por quotas, parece-me discriminatória a detenção de políticos que comem papel. A pica, assim se chama em inglês à desordem de ingerir o que não é nutritivo, é uma doença grave com causas mentais e pode, como se viu, em casos extremos levar à intenção de lançar megaprojectos de cinema em Portimão que signifiquem o surgimento de sete estúdios de cinema na cidade.
A julgar pelas acusações de que é alvo (corrupção, administração danosa, branqueamento e participação económica em negócio), a doença de Luís Carito, assim se chama o senhor doutor, que é assessorado por Pedro Poucochinho* - isto das doenças e dos nomes está tudo ligado -, a doença, dizia eu, deve já ter-se manifestado no passado. Não admira, portanto, que um recente episódio de pica de Luís Carito tenha sido um caso extraconjugal com a ex-mulher de Pedro Gato, um senhor que faz questão de vincar ser ex-marido da senhora, não vá a gente pensar que é gato manso.
Para perceberem a seriedade da pica, que não só não devia ter dado azo a detenção como deveria até estar a ser alvo de tratamento, financiado pelo Estado Social (para que serve, se não é para o tratamento de doenças raras como a criação de Hollywoods em Portimão?), notem que Carito não só come papel, como come papel de impressão, áspero, não papel higiénico, como seria mais, não tenho outro modo de o dizer, normal. Trata-se portanto de um caso extremo de pica. A pica, deixem-me instruir-vos, já que o Correio da Manhã mais uma vez optou pelo sensacionalismo, é prática comum em comunidades rurais africanas, e é em particular coisa de mulheres grávidas, o que parece não ser o caso de Carito. Outros indivíduos cheios de pica são os que sofrem de autismo ou de problemas cognitivos, como parece ser o caso de quem quer Hollywood numa cidade que pouco mais tem de atractivo do que uma Praia que me leva o apelido.
Alguns sintomas típicos de pica são uma linguagem anormal, brincadeiras estranhas e relacionamentos anormais com amigos, sobretudo relacionamentos à porta fechada com assuntos como uma Hollywood em Portimão. A pica pode, ao contrário do que a indústria pornográfica nos quer fazer pensar, ser um sintoma de depressão e, no caso de pessoas com problemas cognitivos, pode tornar-se incontrolável, fazendo-as por exemplo investir numa Hollywood em Portimão. A pica deve, portanto, ser tratada com lofepramina, aconselham os especialistas. É esse o tratamento que deveríamos exigir para o caso de Luís Carito, um sujeito com óbvios problemas que deveria ser tudo menos motivo de chacota.
*É afinal assessor do presidente, não do número dois.
A tenra idade, querido leitor, é-o transversalmente na gente. Tudo é tenro, especialmente o cérebro, órgão excepcional e de dupla face, por nos dar a garantia de superioridade intelectual face à besta, mas também por ser dele que provém a estupidez, propriedade que, atenção, não se deve confundir com ignorância, mas sim com o atrevimento associado a ela. Venho, pois, falar-vos de jovens. Jovens em quem a tenrura do cérebro se tem manifestado especialmente propiciadora do disparate (à juventude permite-se tudo, bastando para tanto a larga esponja do «disparate», coitadinhos). Há uns dias veio o Miguel Pires da Silva, o muito bem compostinho líder da excelsa JP, explicar-nos, com uma proverbial fealdade, que não, que não, que isso dos maricas, ou, nas suas palavras, isso dos «eles», era tudo muito pouco natural. Era por isso que era muito (muitíssimo) contra o casamento d’«eles» e contra a adopção d’«eles», que para ele (sem aspas, porque ele não é nada maricas) não traz saúde a ninguém. Além disso, preocupa-se o Pires da Silva (temos de começar a tratá-los como grandes, para se sentirem especiais) com a putativa vontade qu’«eles» têm de transformar Portugal «num imenso arco-íris de uma ponta à outra», fazendo aqui uso de uma bonita figura estilística que denota franco conhecimento da herança literária que os jovens deste tempo têm. Guardado o assunto do Pires da Silva, que me permitiu rir um pedacinho e gozar outro tanto, porque, enfim, a vida é curta e eu já vou entrado nos vintes, pensei para comigo que aquilo era excesso idiossincrático, uma excentricidade (mas não como as do Bentham, que possivelmente se referia a «eles»), e continuei a depositar fé nos jovens, os meus compagnons de route para o que resta. Tratou-se, como poderá o leitor um pouco mais envelhecido facilmente adivinhar, de uma precipitação (própria da idade, permita-se-me a auto-complacência). Outros jovens, agora da JSD (os jovens, em geral, gostam de agrupamentos), vieram perguntar ao Ministro da Educação quanto custam os sindicatos. Não sei se será um resquício da idade dos «porquês» ou tontice franca, por sabermos que não é movimento inocente e que em tempos de fraca carteira, falar de dinheiro dá sempre bom resultado. Em qualquer caso, os jovens da JSD, certamente porque a vida ainda foi curta e porque nem sempre as escolhas são as óptimas, deveriam, quando tiverem folga parlamentar agora nos próximos meses, pegar nuns livrinhos que expliquem bem o «custo» dos sindicatos. Senão, qualquer dia começamos a perguntar quanto é que a JSD custa ao Estado. Uma pergunta que talvez acabasse, dadas as recentes demonstrações de serviço, por fazer algum sentido.
Um blogue funciona, antes de tudo, para fazer um indivíduo perceber que não tem tanto a dizer quanto se poderia pensar. Pelo menos no que respeita ao mundo.