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Marché unique, monnaie unique, langue unique ? Les portes et les ponts illustrant les billets européens incarnent déjà la fluidité des échanges entre des commerçants sans ancrage et sans histoire. Faut-il également que les étudiants puissent quitter leur pays sans dictionnaire ? Avec pour seul passeport linguistique un anglais d’aéroport. Utilisable partout, en particulier dans les universités françaises.
Car il paraît que celles-ci restent encore trop « décalées » — comme le reste du pays. Imaginez, on y parle toujours… français ! Mme Geneviève Fioraso, ministre de l’enseignement supérieur et de la recherche, veut supprimer cet « obstacle du langage ».
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« Si nous n’autorisons pas les cours en anglais, nous nous retrouverons à cinq à discuter de Proust autour d’une table », a néanmoins ironisé Mme Fioraso. M. Nicolas Sarkozy préférait afficher son dédain envers les humanités en plaignant les étudiants condamnés à lire La Princesse de Clèves au lieu de faire du droit ou du business.
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La France, qui s’est battue pour défendre son cinéma et son exception culturelle, peut-elle accepter qu’un jour la recherche et la science s’expriment uniquement dans l’idiome, d’ailleurs souvent maltraité, de la superpuissance ?
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Cheguei distraidamente a este artigo de Serge Halimi no Le Monde Diplomatique. Começam os franceses a alvoroçarem-se por verem as suas universidades vergadas às inolvidáveis necessidades do mundo globalizado, o que por vezes se julga sinónimo de homogeneizado, numa clara recusa desse corolário disto de sermos o que somos – o da obrigatória diversidade. A lei francesa obrigava a que o ensino superior fosse proporcionado apenas em francês. Claro que o mundo é cão e obrigar a que o sistema funcione na língua nacional, à parte de quando ele é anglófono, pode trazer complicações. O francês, como dizia a rapariga no outro dia, está a morrer e, como causa e consequência disso, a juventude já não o aprende. Nem a juventude nem ninguém, pelo que a dificuldade gaulesa não é só a de captar alunos, mas será também a de arranjar professores que leccionem num francês inteligível para os soberbos estudantes das Grandes Écoles.
Por cá, tudo é mais simples. O português defende-se com unhas e dentes espatifando-o num emaranhado de novas regras que não lembram ao Diabo (nem à Dilma). Não nos aflige, por isso, que a preparação escolar obrigatória consinta que dela saiamos sem que da gramática tenhamos grandes certezas (incluo-me aqui, porque falo essencialmente da minha geração), que não conheçamos um grama do que de melhor se produziu por cá (recentemente, com a morte de Óscar Lopes, soube que antigamente a História da Literatura Portuguesa era usada nas escolas; com a morte de Óscar Lopes tomei também conhecimento da existência da História da Literatura Portuguesa que era usada nas escolas; com o meu almoço de ontem aqui com o Rui fui fortemente compelido a comprar uma edição da História da Literatura Portuguesa que era usada nas escolas, por 8 euros, na banca do Arquimedes, a melhor ali da Feira do Livro – confirmai). A falta de certezas gerada não se colmata, porque chegadinhos à bela vida universitária somos presenteados com um conjunto de excelsos Doutores que peroram num inglês que confrange qualquer um, tudo a bem da «empregabilidade» e da «competitividade» dos «jovens portugueses», que podem bem não perceber um caralho do que lhes ensinam, mas têm lá no Curriculum Vitae que têm fluência (se ao menos...) na boa língua estrangeira. Tudo porque somos virados para o futuro e assim.
Tudo somado, a maior parte de nós, com ou sem Acordo, já não percebe um quadril disto. We speak very well English e pronto, tudo o resto virá por decorrência natural do exercício da língua, componente nestes dias especialmente trabalhadora. Resta esperar que nos não imitem na decadência. Pelo menos que nos não imite a França, que ainda não é um país qualquer. Façam aulas para estudantes estrangeiros, tenham departamentos de Erasmus, permitam-se a excepção para um professor americano muito, muito bom (são sempre), para que as classificações subam. Mais do que isso, é delírio de classe política ignorante. Antes lessem aquilo que publicamente tanto desprezam.
Imagem de topo do blogue da jornalista Maria Teixeira Alves. Está muito contente.
Tive um tempo em que consumia blogosfera como quem respira. Porradas de blogues, centenas de posts. Tinha tempo e, mais do que isso, parvoíce. Acontece que fui largando muita coisa e agora leio pouco, muito pouco do que se faz em blogues. Porque há que seguir a portugalidade, leio o que escrevem os meus amigos ou o que escrevem aqueles cujas opiniões realmente contam alguma coisa. Possivelmente larguei muita coisa boa. Felizmente, deixei também de acompanhar muita tolice. É o caso aqui da Maria Teixeira Alves, que parece que é jornalista no Diário Económico e que escreve onde em tempos escrevi eu: no Corta-Fitas.
A jornalista Maria (on se tutoie, quase) começa por, não sem um travo amargo, agradecer aos deputados do PSD e do CDS que viabilizaram a co-adopção. Anuncia-lhes que (botemos aqui um bom sic) «a partir de hoje não contam com o meu voto para nada, nem, com o meu apoio.» Nem! Como diria o velho Camilo, se estas «feras objurgatórias» tivessem a «gramática à porção do fel, o governo havia de pôr as mãos na cabeça e demitir-se». Não têm, por isso não demite. Mas de onde nasce tanta revolta em Maria, excelsa jornalista do Diário Económico? Maria, amiga da maiúscula espumosa, ataca os pobres incautos que acreditam que as instituições que albergam crianças sós no mundo são piores que um casal homossexual. E porquê? Bom, porque segundo a jornalista Maria, educada senhora, nas instituições as crianças não correm o risco de chegarem à idade adulta e serem seduzidas pelos pais. Ora já viram a tontinha?
A pobre cabecinha da desgraçada da jornalista Maria parece estar em tumulto. Vai ali uma profunda diarreia (diz aqui o Rui que isso mata, ó jornalista Maria). Os enganos – nada ledos e nada cegos – são mais que muitos. Em primeiro lugar, julgo que não há nenhuma criança, inserida em qualquer família, que não corra o risco de ser seduzida pelos pais na adolescência. Que eu saiba, todos os casos de violação dentro das famílias conhecidos até hoje aconteceram no seio de famílias «naturais» (a jornalista Maria diz que a natureza é homofóbica; bota ponto de exclamação e tudo). Por isso infiro que a jornalista Maria quer dizer apenas que os homossexuais criam riscos ainda maiores. (Que patetinha. Dá vontade de abraçar.) Riscos maiores que os que existem numa família «natural» e, pasmemo-nos, maiores que os existentes numa instituição de acolhimento. A jornalista Maria andou distraída nos últimos anos e ignora o que tem acontecido nos últimos bons séculos. Com que então as instituições são um paraíso impoluto onde as criancinhas podem crescer livres das insinuações e ataques predatórios de gente doente? A pobre da Mariazinha, ai tão linda, tão destrambelhadinha. Algum médico que a recolha, antes que ela faça mal a alguém.
O sofrimento dos últimos dias tem-me lembrado o meu desprezo fundo por esse corolário da civilização do espectáculo que é o futebol. Em torno de mim, que saltito airoso por entre as derrotas e vitórias de uns e outros, e que só gastei alguma vez dinheiro num jornal desportivo porque o Record, aqui há uns anos, tinha um monopólio do Benfica em fascículos que muito atraiu a família; em torno de mim, dizia, sucedem-se as típicas fúrias alegres ou tristes, as babinhas raivosas espumadas nas redes sociais, a choradeira indómita de quem gosta mesmo muito daquele clube, pá. Da observação dessas expressões estranhas e a meu ver excêntricas, porque a bitola do banal somos nós que a definimos (e à nossa imagem, de preferência), nasceu-me, contudo, um franco interesse no grafismo colorido desta manifestação do absurdo. Porque entendamo-nos: nada daquilo faz qualquer sentido (espero que não me levem a mal). O adepto típico pertence a um clube (pagam e tudo) com o qual nem tem especial relação de proximidade (o bom serrano é com facilidade um benfiquista ferrenho) e sofre vigorosamente com as peripécias de uma equipa que vive numa espécie de estratosfera, longe de todos nós. Numa base semanal, o adepto apaixonado gasta algumas dezenas ou centenas de euros para assistir aos jogos, acompanha com cuidado as tabelas classificativas, contabiliza rigorosamente os golos marcados e sofridos e faz ainda contas até ao final da temporada para ver se dá. Se não dá, o adepto chora, grita, esperneia porque não deu; queixa-te das táticas e das técnicas e das estratégias; vilipendia os árbitros, os treinadores, os presidentes e os jogadores; maldiz o mundo, a vida e diz ao filho para se esforçar mais nos treinos, para depois ir para a equipa e ganhar isto tudo, porque ele, aquele rapaz, é que vai ser o próximo Eusébio, oiçam o que vos digo. Isto durante cerca de uma semana, talvez duas. Depois tudo acalma, a vida habitual regressa e começa a pensar-se na época seguinte. Como se estivéssemos todos lá na montanha a ver Sísifo mexer o pedregulho. Há aqui uma bonita (quem sabe útil) metáfora para esta brincadeira.
Palavra de desonra: quero um dia ser tão científico e rigoroso quanto um político, um economista ou um gestor dos que têm bordejado o poder. É impossível não admirar um ai aguentam, aguentam! pela eloquência com que nos lembra que o contrário de estar vivo é estar morto, assim como é difícil não rejubilar com o sucesso do ajustamento português, com taxas de juro mais pequerruchas e mirradas importações que sustentam as pujantes exportações.
Um sucesso que será certamente maior se as vozes de Ricardo Salgado e de Pedro Reis chegarem ao céu: eles não entendem como, com quase 18% de desempregados, não há mais portugueses pagos com o salário mínimo nas obras do Alqueva. Eu também não entendo - até porque me parece que o governo tem feito um bom trabalho de prevenção - que ainda haja gente com esperança de vir a fazer algo para que estudou ou em que trabalhou, preferencialmente perto de onde tem família e amigos. Mas há pouco a fazer: isto é gente que comprou casa e assentou raízes sem pensar num futuro assim, vá, flexível.
Gente que, estupidamente, comprou a esperança que lhe foi dada, por muitos anos, por governantes, economistas e banqueiros que, envergonhados, viriam mais tarde a desaparecer, perdão, fazer por aparecer com discursos moralistas. Mas eu invejo-os: o distanciamento analítico por detrás das suas postas de pescada tende a ser inversamente proporcional à sua distância das decisões. Não há nada melhor do que uma boa análise de economia positiva. Já eu, menos positivo e mais normativo, tendo a perder poder de abstracção quanto mais longe me percebo da residência da senhora democracia. Nada como estar lá para ser isento.
Raquel Varela fixando a objectiva com olhar profundo.
Anda um espectro (há que fazer a apologia do cliché) pelo Portugal – o espectro da Raquel Varela. Diz que é doutora do ISCTE e percorre com alguma facilidade os meios de comunicação, poluindo-nos a mente simples com os seus devaneios complicados. Desta feita, a Doutora Varela (isto assim dá logo ares de Aerius e Paracetamol) foi amavelmente convidada pela Fátima Campos Ferreira para o grande debate da nação que é o Prós e Contras, consigo, todas as semanas. Lá no Prós e Contas, além da Doutora Varela, havia um rapagão com olho para o negócio que vende t-shirts para «países estranhos» como a Inglaterra (ninguém lhe perguntou a origem de tanta estranheza, para grande pesar deste vosso que vos escreve). Mal compreendeu a Doutora Varela que o rapaz não era um intelectual com vasta obra publicada no estrangeiro, mas sim um vil burguês, mandou que se interrompesse o bailado. Era importante, pelo menos para ela, esclarecer umas coisas. Então perguntou rapidamente ao Martim, tratando-o por tu, com uma proximidade que afronta, se por acaso as camisolinhas deles eram produzidas na China por gente a ganhar dois dólares por dia. O Martim disse que por acaso não, que era cá na terra, no nosso Portugal. Evidentemente, isso não bastava. A Doutora Varela lançou logo a questão importante: e os operários fabris, ganham salário mínimo? É que a organização do não-sei-quê diz que tal. O rapaz arrumou com o assunto e seguiu-se choradeira no blogue.
Agora que já alongámos o espírito e nos permitimos umas malandrices, vamos passar a proporcionar ao leitor curioso uma análise sólida e fundamentada da questão. Há três eixos (porque nós vemos a três dimensões – é importante para a compreensão da realidade) relevantes aqui. O primeiro prende-se com o valor do Martim Neves. O segundo prende-se com a razão da Raquel Varela. O terceiro prende-se com a desonestidade da Raquel Varela. Por partes. Um, dois...
Marie Antoinette.
Eu só sei do Martim Neves aquilo que as pessoas que viram o Prós e Contras sabem: é um miúdo de 16 anos que tinha uma coisa que gostava de fazer (desenhar trapinhos) e teve a ideia de arranjar ali uma ocupação, um negócio. Felizmente, e apesar da idade, teve algum sucesso. As roupas ganharam compradores, invadiram dois ou três mercados internacionais e o barquinho prospera. Diz que os estudos vão indo e, pelo que percebi, ainda patrocina um desportista qualquer. No topo de tudo, recorre a uma fábrica portuguesa para a confecção da mercadoria, mantendo tudo em família, como muito compete ao cidadão empenhado e patriota. O Martim, independente do que nos diga a história dos conflitos sociais, está a fazer, tudo leva a crer, algo de bom e de muito valor: investe numa ambição sua, não tem ar de explorar miseráveis e, à falta de prova em contrário, é respeitador da lei e da norma.
No que disse ao Martim Neves, Raquel Varela tem razão apenas numa coisa: o salário mínimo é baixo. Também é por isso que se chama salário mínimo – nunca, em momento algum o acharemos bom. Que se compare com facilidade o salário mínimo português com os dois dólares diários do sudeste asiático, já me parece um pedacinho desonesto, mas deixemos isso para o próximo parágrafo. O que é importante compreender é que o facto de ganhar um salário mínimo ser melhor que não ganhar salário nenhum não invalida que o valor seja baixo. A melhor hipótese nem sempre é uma boa hipótese, enfim. De qualquer forma, a discussão sobre o salário mínimo, ainda que importante, não foi pertinente. Mais não fosse por uma razão simples: é que na verdade ninguém ali tinha a capacidade de assegurar que quem produzia as tais roupinhas estava nessa situação. Mas de novo a terceira parte deste proveitoso artigo está a saltar-nos em frente. Dêmos-lhe, pois, espaço.
Bertrand Russel, enquanto assistia ao Prós e Contras.
A desonestidade de Raquel Varela no caso em questão é – utilizemos uma palavra catita – multidimensional. Torna-se inclusivamente difícil organizar o pensamento perante tudo isto. Para facilitar, vamos saltar por cima do tom acusatório com que lançou as perguntas. Vamos também contornar a insistência em dizer que são chineses a fazer a roupa, quando todos sabemos que foram portugueses. Vamos ainda esquecer que colocou quase no mesmo patamar os salários abaixo do limiar da pobreza e o salário mínimo português. Vamos apenas ao essencial: Raquel Varela questionou a moralidade da actividade profissional de Martim com base na possibilidade de haver, devido a ela, pessoas a receberem o salário mínimo. Isto, só assim, sequinho, sem comentários sobre as viagens e as bolsas de Raquel Varela, já nos chega para uma boa conversa. Ora vejamos. Em primeiro lugar, e porque isto é o mais simples, mais directo, mais singelo, é preciso dizer que o salário mínimo, ao existir, traz como consequência natural que algumas pessoas o recebam. Se ninguém recebesse o salário mínimo, isso significaria que o valor era tão baixo que nem os porcos exploradores o pagariam. O salário mínimo, digamos assim, está lá mesmo para «ser usado». Tem como objectivo vedar situações de exploração, entendendo-se, por isso, que pagá-lo não constitui exploração. Claro que podemos divergir quanto a isso, mas são as regras da sociedade. Se achamos que estão mal, devemos fazer-nos ouvir junto daqueles que as podem mudar e não junto daqueles que as aplicam. Espero que compreendam. Em segundo lugar, mesmo que se ache que o salário mínimo é pouco digno, não se pode atacar o Martim (ou qualquer pessoa na sua circunstância) por haver pessoas em fábricas a recebê-lo. O Martim muito provavelmente contratou um serviço a uma outra empresa e é nessa empresa que se fazem as negociações salariais. Considerar que o Martim (ou qualquer pessoa na sua circunstância) tem o dever de, antes de contratar a empresa, saber o que vai lá dentro é de uma alienação (palavras caras) tremenda. Porque neste caso poderá parecer até simples (ainda que não o seja necessariamente), generalizar este raciocínio tornaria a vida habitual impraticável. Antes de contratarmos uma operadora de telemóveis, teríamos de ler detalhados recibos de vencimento dos últimos anos. Para comprarmos um móvel, teríamos de descobrir quem recolheu a madeira, a trabalhou e transportou e saber, depois, se todos tinham tido condições de trabalho boas. Antes de comprarmos um bonito lenço como o que Raquel Varela usava durante o programa do serviço público, teríamos de saber se a lojista tinha um bom salário, e se a transportadora tinha uma boa política de férias e se a fábrica era portuguesa, ou chinesa, ou vietnamita. Por sabermos que tudo isto é impraticável, criamos leis e instituições – algo que Raquel Varela deverá saber, dado que é Doutora do ISCTE. E com base nessas leis e instituições vamos vivendo e deixando viver, arranjando maneiras mais ou menos eficazes de fazer cumprir o estabelecido. O Martim provavelmente nem sabe quanto ganham os trabalhadores na fábrica que ele contratou. Mas não tem de saber. Da mesma forma que a Raquel Varela não tem de saber quanto ganhou quem produziu o seu lindo lenço. Ainda assim, teria ficado bem a Fátima Campos Ferreira, excelsa moderadora, perguntar. A bem do serviço público. E viva a revolução.
Aos portugueses que se perguntam o que andarão os deputados da maioria a fazer enquanto o país esfola os joelhos na crise recomendo a consulta de um documento imprescindível e de proveitosa leitura que ostenta o enigmático título «Projecto de Resolução Nº 637/XII». Logo abaixo, explica-se ao povo ignaro que o documento mais não é do que uma «recomendação relativa à adoção por entidades públicas e privadas da expressão universalista para referenciar os direitos humanos», sentença que seria auto-evidente se não fosse completamente incompreensível. As páginas seguintes não resolvem de imediato o mistério do sentido deste texto críptico. A técnica do suspense é utilizada com mestria pelos deputados, que apimentam essa estratégia narrativa com a sugestiva repetição da palavra «paradigma», que aparece quatro vezes e nem sempre nas melhores condições físicas e semânticas. Não é de crer que até ao final da legislatura o paradigma volte a ecoar tão retumbantemente nas galerias da Assembleia. Quem se dedicar à leitura do documento verá que este foi redigido naquela espécie de sânscrito universitário que produz estes cagalhões parlamentares: «Neste enquadramento, sobrevindo ainda a responsabilidade de diálogo e de rememoração intergeracional que nos incumbe, assumindo que os projetos e discursos políticos e de cidadania, seja sobre questões humanas e sociais, seja sobre questões de macroeconomia, que dominam no contexto atual, devem evidenciar que as políticas corporalizadas por assimilação das perspetivas implícitas à diversidade são um fator determinante para o progresso humano, político, económico e social das sociedades.» Ámen. Para cúmulo, enquanto o país desaba, é reconfortante saber que os deputados do PSD e do CDS tudo farão para que a bancarrota não nos descubra de linguística pelos joelhos e, «porque a linguagem representa uma realidade criada por indivíduos num determinado espaço e num determinado tempo», recomendam que as entidades oficiais substituam a «expressão Direitos do Homem pela expressão Direitos Humanos». Já sabíamos que os nossos liberais não passam de socialistas que moravam mais perto da sede do PSD local, mas descobrir que os deputados da direita são os arietes do politicamente correcto já é abuso. Diria mesmo, se o assunto não fosse tão sério, que isto é caso para dar cabo do paradigma de qualquer um.
Eu não sei quem é o Vítor Cunha, mas fazia-lhe bem a leitura de um manual simples de economia do trabalho. É que a gente pode ser muito liberal e assim, mas há que impedir assaltos da ignorância.
Isso eu não sei, mas fiquei perturbadíssimo. A descrição do fenómeno ultrapassa aquilo que a moral deste blog permite registar, mas hei-de saber lidar com o problema. Serei um groupie. Vou reler O Capital. Ainda tenho os restos da biblioteca.