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Querida antropofagia

por Rui Passos Rocha, em 29.04.13

Todos os dias são dias do trabalhador. E do consumidor, esperamos. Se as carteiras encolhidas são um íman para descontos inusitados no Dia do Trabalhador, então é óbvio que as pessoas querem consumir nesse dia. Particularmente nesse dia. Todos lutamos por maior consciência de falta de classe. Os que ainda resistem na pré-histórica celebração dos direitos laborais deixarão de o fazer assim que precisarem destes descontos, ou assim que eles forem suficientemente altos. Há algo melhor que um bom incentivo? Consta que nesta quarta-feira o Pingo Doce vai ter companhia e a televisão suminho. Um ou outro gerente de supermercado ou estratega de marketing dormirá tranquilo, sabedor da sua magnanimidade e do atraso dos sindicatos. E ninguém lhe perguntará porquê precisamente o dia 1 de Maio, entre tantos feriados à escolha. Até porque se lhe perguntassem ele falaria da liberdade individual, que é sagrada e ele seria incapaz de manipular.

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publicado às 14:10


Wilde

por Tiago Moreira Ramalho, em 29.04.13

Não se percebe bem porque é que o artigo derrapa fortemente para o calabouço e a miséria, quando a ideia seria, atendendo-se ao título, saber um pouco mais da americanice do sr. Wilde. Ainda assim, vale a pena. Ler um artigo sobre um tipo que, chegando à América, diz algo como «I have nothing to declare except my genius» nunca é perda de tempo.

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publicado às 11:55


Because Our Fathers Lied

por Bruno Vieira Amaral, em 27.04.13

Em 1910, Rudyard Kipling, escritor de relativo mérito, escreveu o poema If, que ficou igualmente conhecido por Carta a um Filho, apesar de não ser inspirado pelo seu filho, John, que viria a morrer na I Guerra Mundial, em 1915. Como furioso imperialista que era, Kipling arranjou maneira de o filho, embora afectado por problemas de visão, integrar as Irish Guards. Outro pai menos belicista teria arranjado uma cunha para livrar o filho da Guerra. Kipling, vitoriano e estóico, arranjou uma cunha para o filho se alistar e, posteriormente, morrer. Após a morte de John, o Prémio Nobel de 1907 escreveu estas linhas culpadas e reveladoras: "If any question why we died / Tell them, because our fathers lied." No poema If não há mentiras, nem triunfalismo. Há resiliência, estoicismo, a pregação de uma moral que transcenda os acidentes de percurso. É quase um manual de vida em oito quadras e trinta e duas estrofes. O poema termina com o famoso “you’ll be a Man, my son!”, ainda que para se chegar a ser um homem tenha de se ultrapassar todos aqueles ses que se vão espalhando no poema. Ainda hoje, If continua a ser um dos poemas preferidos dos ingleses talvez porque a sua mensagem é clara e não há ali indícios de modernismo, simbolismo ou paulismo. Aquilo é poesia pragmática, para as massas, acessível a todos, “sem frescura”. Se fosse mesmo uma carta a um filho, teria o tom falso e grandiloquente que os pais distantes escolhem para embelezar os raros momentos em que se dedicam à tarefa, para eles bissexta, da paternidade. O mais certo é que o filho começasse a bocejar e pedisse ao pai para lhe ler outra coisa qualquer, por exemplo, algo sobre a descoberta da estrutura da vida. Mas só um filho teve essa sorte. Em 1953, o jovem Michael Crick, de doze anos, estudava num colégio. A 19 de março desse ano o pai, Francis Crick, escreveu-lhe uma carta que começava assim: “Meu Querido Michael, é possível que o Jim Watson e eu tenhamos feito uma descoberta da maior importância.” A carta prossegue no mesmo tom científico, com diagramas e explicações, isto antes de Crick e Watson terem publicado na Nature o trabalho que haveria de os imortalizar. Aquilo era informação em primeira mão, de pai para filho, numa carta em que à excepção do início e do final (“Lots of love, Daddy”, e de algumas notas pelo meio (“read it carefully”, “read this carefully”), nada sugere uma relação paternal. Por vezes, assemelha-se à aula de um professor entusiasmado. O único assunto da carta é a descoberta da estrutura do ADN, como se Crick estivesse tão imerso no seu trabalho e tão surpreendido pelas descobertas, que não fosse capaz de pensar em mais nada. Quase no fim, uma frase ganha força, sobretudo se pensarmos na dimensão da descoberta e no contexto relativamente neutro em que é revelada: “In other words we think we have found the basic copying mechanism by which life comes from life.”

 

Temos, então, uma carta a um filho que não se destinava ao filho do autor, em que o poeta fala sobre a vida e a forma como a devemos encarar na glória e no desespero. Depois, temos uma carta a um filho que não se parece nada com uma carta a um filho porque o seu único tema é, compreensivelmente, uma das maiores descobertas científicas de sempre e que nos permite perceber o funcionamento da vida, embora nada nos diga sobre como devemos vivê-la. O filho de Kipling morreu aos 18 anos, na batalha de Loos, empurrado para a frente pelo voluntarismo imperialista do pai. O filho de Francis Crick leiloou recentemente a carta que o pai lhe mandou em 1953. O documento foi comprado por um anónimo por mais de 6 milhões de dólares. As duas histórias dizem-nos muito sobre o que é a vida e sobre o que é a vida, palavras homógrafas mas com significados muito diferentes.

 

 

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publicado às 14:14


Coisas importantes

por Bruno Vieira Amaral, em 25.04.13

O futebol não é só futebol. Há um ano, o presidente do Bayern de Munique, o ex-jogador Uli Hoeness, confrontado com as dívidas fiscais dos clubes espanhóis, atacou com veemência, gritando no seu melhor português: “Isto é impensável. Nós damos-lhes milhões de euros para os tirar da merda e depois os clubes não pagam as dívidas.” Hoeness referia-se aos milhões que os alemães pagam aos preguiçosos do Sul e que estes malandros depois usam para pagar salários ao Messi e ao Ronaldo, o que se compreende, mas também ao Alexis Sanchéz e ao Nelson Oliveira, o que já devia causar verdadeira indignação. Esta semana foi a altura de pôr tudo em pratos limpos. Os dois maiores clubes alemães enfrentavam os seus homólogos espanhóis. Os primeiros são a expressão de um campeonato saudável e burguês, com estádios cheios, clubes com dinheiro e salários em dia. Os outros dois são os fidalgos gordos de uma Liga cada vez mais depauperada e desigual, de estádios vazios e clubes cheios de dívidas. O resultado não podia ter corrido melhor a Frau Merkel. Duas goleadas em território germânico em que os colossos ibéricos foram atropelados pela vitalidade germânica guiada por esses poster-boys da vontade indómita dos arianos que são Schweinsteiger e Götze (o Freitas Lobo esteve bem ao dizer que o Bayern parece que joga com botas da tropa, o que mesmo que não faça justiça à capacidade técnica dos jogadores é bom para início de conversa; eu diria que é ballet com botas cardadas, mas isso sou eu, que escrevo melhor que o Freitas Lobo). Só que, nesta semana de todas as humilhações para Castela e Catalunha, soube-se que o sr. Hoeness, o tal que deplorava os milhões pagos pelos alemães para tirar os espanhóis da merda, está sob investigação por fuga ao fisco, um facto que até pode vir a prejudicar Angela Merkel nas eleições de Setembro. O futebol não é só futebol. Os espanhóis entraram em depressão com as goleadas mas gostaram de ver o moralismo verbal de Hoeness ser derrotado pelas suas acções. Os alemães ficaram eufóricos com os resultados e um pouco envergonhados com esta história do proprietário de uma fábrica de salsichas. Claro que a euforia alemã é muito peculiar e tem a capacidade de devolver o futebol ao lugar onde é apenas futebol. Jupp Heynckes, treinador do Bayern de Munique, disse a uma revista inglesa que a família deu pouca importância à goleada ao Barcelona: “Esperava que falassem do jogo, mas ouvi reclamações sobre a professora da escola do filho de um amigo, sobre a drenagem do rio Elba e a análise de um vinho.” Contra a dramatização operática dos espanhóis, contra a hipocrisia do senhor Hoeness, até contra a beleza blindada do futebol alemão, a análise de um vinho e a drenagem do rio Elba parecem-me as coisas mais belas e mais autênticas do mundo.

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publicado às 12:18


Nomes

por Frederico V Gama, em 25.04.13

Não sei se Instituto Politécnico é a designação certa, mas Universidade de Ciências Aplicadas parece-me um repolho. É como Faculdade de Motricidade Humana em vez de Instituto Superior de Educação Física. Somos fantásticos para chamar os nomes pelos bois.

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publicado às 00:07


Tudo a bulir

por Frederico V Gama, em 24.04.13

Duas coisas excelentes na mesma semana, tirando o programa de matemática que vai pôr as criancinhas a varrer Euclides, Newton, Euler e Fermat: o programa de crescimento (está em PDF, escusam de abrir) e o fim do despacho do ministro Gaspar. Com o programa de crescimento, vai ser de três em pipa; com o fim do despacho, o país vai voltar a mexer, porque tem estado tão paralisado como o cavalo de D. José ao pé da Ribeira das Naus.

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publicado às 23:59


25 de Abril nem sempre

por Rui Passos Rocha, em 24.04.13

 

Custa mais acreditar agora, mas podia tudo ser bem pior. Podia Marcello Caetano, pressionado de fora, ter tido que convocar um plebiscito para se legitimar. Seria uma maçada, ter de dar a cara e tentar convencer o povo. Podia a oposição, dos marxistas aos sociais-democratas aos da ala liberal aos democratas cristãos (os convictos e os do táxi), ter tido direito a um igual tempo de antena na televisão. Todos juntos, pelo 'não' ao Estado Novo. Podia essa mesma oposição, perseguida, torturada e mutilada durante anos, ter sentido necessidade de conquistar votos com uma mensagem positiva, de futuro, em vez de lembrar a brutalidade do regime. Medo (dos crimes políticos) por medo (de um ajuste de contas), ganharia a abstenção, ou seja, a Situação. Mas podia a mensagem alegre do 'não' ter conquistado o povo, ainda que por uma curta margem, e derrubado o Estado Novo. E podia Marcello ter passado o testemunho numa cerimónia pública em que afirmaria as suas credenciais democráticas. E podiam os líderes do "novo" regime tê-lo deixado, pacificamente, em Portugal, inicialmente ainda no palco, depois nos bastidores. Com tudo isto, podia o "novo" regime ter mantido dirigentes e militares da ditadura nos seus anteriores lugares, ninguém sendo julgado, nem sequer criticado pelos governantes e principais opositores, muito menos exilado do país. Podia o cheiro a mofo ser bem mais intenso. Mas felizmente não nos aconteceu como no Chile anos mais tarde. Amanhã serão 25.

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publicado às 12:22


acontecimentos sociais

por Frederico V Gama, em 24.04.13

Desde que o Cavaco decidiu ir para o Facebook que eu percebi que a coisa ia dar nisto e em muito mais. Espero ansiosamente pelo dia em que o Twitter e o Facebook se transformem em chips acoplados nos cerebelos das novas gerações. Estou-me nas tintas para as bombas na Casa Branca (foda-se, não me digam que o Obama não fechou Guantanamo!), só me interesso pelo fim do Twitter e do Facebook, já agora ficam a saber. Entretanto, há boas notícias.

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publicado às 00:23


O Enraba Passarinhos

por Frederico V Gama, em 24.04.13

Estou morto por ver o desfile de protestos contra a Caixa Geral de Depósitos por ter cancelado a oferta de exemplares de O Sr. Bentley, o Enraba Passarinhos, de Ágata Ramos Simões, uma obra de primeiro plano do catálogo da Saída de Emergência (o título foi publicado na altura em que os accionistas queriam chamar Entrada de Emergência à editora, segundo informações privilegiadas que me chegam), à mistura com distintas obras de Anne Bishop ou Nora Roberts. E se acham chocante o título deste post, informo-vos que a Caixa esteve para oferecer este livro à minha tia Adelina que é cliente do banco lá na terra. Nem quero imaginar.

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publicado às 00:08


Dia mundial do livro

por Tiago Moreira Ramalho, em 23.04.13

Depois da cómica situação da Caixa Geral de Depósitos, que quis distribuir livros eróticos aos seus clientes, fico a saber que a vila de Óbidos quer tornar-se uma «vila literária». Os promotores dizem que ali vai haver uma rede de livrarias, que começa logo por uma feita numa igreja velha, além de um centro de criatividade artística. A ideia, suponho, é a de gerar um novo conceito em torno da palavra escrita. Se o imaginário antigo era o do autor desgrenhado, um pouco mal-cheiroso, fechado num quarto pequenino com garrafas de absinto ao pé e espessas camadas de carvão nos pulmões; agora será o de um jovem bronzeado, que escreve sobre a leve vida que passa enquanto beberrica pedacinhos de ginja por um copinho de chocolate. Não há melhor forma de reflectir sobre o drama humano, como bem sabemos. Perdoe-se-me o cepticismo, mas desígnios destes raramente dão certo. Se, por uma vez, o grande «projecto» não desaguar em fundações, nomeações, adjudicações e restantes golpes burocráticos, talvez possamos, com alguma sorte e menos engenho, ter ali uma competente feira. Mas a tentação é grande – vem nos livros. 

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publicado às 18:12

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