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O lado humano

por Tiago Moreira Ramalho, em 21.05.13

Ontem, depois do jantar e da dor de cabeça, botei-me no sofá a assistir, junto da família, à reportagem que Judite de Sousa, de gargalhada fácil e um pouco deslocada, fez sobre Álvaro Cunhal, ou a irmã de Álvaro Cunhal, ou a filha de Álvaro Cunhal – não sei. Judite, que aprovou uma bonita canção de Paulo Gonzo para banda sonora do trabalho jornalístico de fundo, contou-nos, sempre com alguma excitação, que Álvaro Cunhal era um pai extremoso. O seu grau de afecto (ou surplus américain, como diria o Cousin, que deixei ontem antes de dormir) tinha uma manifestação variada. Por exemplo, nove meses antes da filha Anita vir ao mundo, Cunhal, como será naturalmente compreendido pelas pessoas que tiveram a educação sexual, emprenhou a mãe (da Anita, entenda-se). As circunstâncias são de uma natureza quase digna de novela russa. Fugido da prisão de Peniche, Cunhal, com 47 anos, é albergado por um bravo defensor de um país patriótico e de esquerda. Passados dois meses, a filha do bravo defensor de um país patriótico e de esquerda, com 18 anos também ela uma brava defensora de um país patriótico e de esquerda, leva, como diria o Nelo da Idália, o pontapé nas costas (é esta a minha forma de cuidar o amor intergeracional; perdoe-me o leitor mais sensível). Depois disso, Cunhal assume o papel natural de pai revolucionário, vivendo longamente longe da filha, mas ainda assim gostando dela como, enfim, uma filha. Descobriu-se inclusivamente, após uma trabalhosa pesquisa nos arquivos, que foi Álvaro Cunhal quem assinou a ficha de inscrição da filha no Liceu Camões, algo impensável para um pai naquela altura (ou assim se depreende, dado o êxtase com que o facto é relatado a nós, fiel audiência dos programas noticiosos dos canais generalistas da televisão portuguesa). Pelo meio, surgem camaradas, médicos e, inopinadamente, Miguel Sousa Tavares, que nos relata um bonito episódio em que aconselhou a Cunhal a aquisição de saborosas meloas algarvias, pois isso do melão, só se sabe que está bom quando se abre. Um fandango catita, muito apropriado para um serão de segunda-feira, com as gargalhadas fáceis, ainda que levemente deslocadas, de Judite de Sousa. Na próxima semana haverá possivelmente um novo trabalho jornalístico de fundo mostrando como outras personalidades da história recente do Portugal desenvolvido desempenhavam, também elas, papéis invulgares e vanguardistas nos seios familiares. Saberemos como Mário Soares ensinou João Soares a andar de bicicleta, sorrindo largamente para as fotografias; ou como Cavaco Silva manejava a mangueira da bomba da gasolina de Boliqueime, enquanto o seu pai lhe dava severas, ainda que bondosas palavras de encorajamento; ou ainda como, no meio de todo aquele reboliço, Marcello Caetano arranjava tempo para ir aos aniversários do afilhado e, até, dar-lhe livrinhos da moda como prenda. O lado humano é fundamental.

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publicado às 12:14

O Expresso, esse farol do jornalismo mundial, descobriu que, nos tempos de O Independente, Paulo Portas achava que Soares era isto e que Cavaco passava por ser aquilo (um "egocêntrico"). A verdade é que Soares era isto e Cavaco sempre foi aquilo. Esse brilhante exercício de memória faz-me pensar nos textos que antigos marxistas-leninistas e maoístas de primeira linha, que hoje descubro, com certo espanto, na direcção e editorias do Expresso, esse farol do jornalismo mundial, escreviam na época, quer sustentando que a Albânia era o futuro do mundo civilizado, quer genuflectindo diante da vasta sombra de Mao (esse benfeitor), quer fazendo alfinetes de peito a Estaline, o pai dos povos. Dito assim, prefiro um maquiavel de pacotilha (como Portas) a pessoas humanas que queriam instalar uma ditadura do proletariado nas Avenidas Novas. 

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publicado às 01:55


Do que tu precisas é de um bailout, dois

por Frederico V Gama, em 02.05.13

Gosto muito. Por exemplo, quando Vale Azevedo era presidente do Benfica e ia levar o Glorioso, et pluribus unum, até ao zénite, lembro-me de um repórter da TSF lhe perguntar à saída do estádio, et pluribus unum: "O senhor doutor acha que a arbitragem está a prejudicar o Benfica, e que isso pode ter influência no campeonato de forma decisiva, e que isto é tudo uma ladroagem pegada?" O futuro Jonathan Valley semicerrou um dos olhos, reflectiu um segundo e respondeu: "Acho." Gritaria da TSF daí a minutos: "Jonathan Valley acha que a arbitragem está a prejudicar o Benfica, e que isso pode ter influência no campeonato de forma decisiva, e que isto é tudo uma ladroagem pegada, abram alas." 

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publicado às 23:51


Do que tu precisas é de um bailout

por Frederico V Gama, em 02.05.13

Que a Antena 1 envie a Havana uma pobre alma fazer a reportagem sobre o 1.º de Maio em Cuba, é uma coisa que deve estar no caderno de encargos da empresa pública que o Mr. da Ponte definiu como pop smart, porque a pátria de Fidel é, tirando Varadero, a democracia em estado puro, uma espécie de ex-RDA com salsa e rumba. Que o governo e as instituições e as figuras de cera, a oposição e a Antral, por exemplo, não tenham caído no instante em que Mr. da Ponte definiu a RTP como pop smart, só isso já é uma coisa que me escapa, mas deve ter a ver com complicações hormonais do próprio país. Que não tenham enviado ninguém, com o José Luís Peixoto, a Pyongyang ou a Pequim, ou a Venciana, ou a Caracas, também me passou em branco, e acho uma injustiça porque onde são garantidos os direitos dos trabalhadores deve estar um repórter da Antena 1. Onde há um direito do trabalhador está alguém da nossa rádio pública, que é como deve ser, ou então pode ir alguém da Antena 3, que também é pop smart e os Linda Martini ficam bem em qualquer lugar onde se admitem vozes desafinadas. Mas o que me obrigou a suster a respiração foi a Ana Lourenço, na SIC Notícias, a sugerir ao Senhor Doutor Bagão Félix, que tinha acabado de anunciar, em simultâneo, o apocalipse, um strip-tease de Christine Lagarde e uma campanha de preços do Pingo Doce, com aquela cara de quem anuncia, em simultâneo, o apocalipse, a morte do major Alvega e a merda em que isto está: "Com este ministro das finanças não vamos lá..." Reparem bem no que eu disse: a sugerir. Porque não foi uma pergunta (do género: "Doutor Bagão, que quido, e acha que o Gaspar é homem para estas farras?", onde o ponto de interrogação significa que se fez uma pergunta). Não. Foi assim: "Com este ministro das finanças não vamos lá..." (onde as reticências significam "Bagão, vá, follow me..."). Melhor do que isto só os repórteres que, na TVI24, acompanharam em directo e com Vicodin o desfile do 1.º de Maio. Queriam rumbas, estes, queriam...

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publicado às 23:24


Matemáticas gerais

por Frederico V Gama, em 19.04.13

Pessoalmente, acho que os programas escolares não deviam ser mexidos durante vinte anos, a não ser que descubram um novo planeta entre a Terra e Marte, mas a alteração do currículo de Matemática no 1º ciclo deixa-me perplexo. Escreve o Público que “a notícia” (Anúncio de novo programa de Matemática no 1º ciclo) “foi recebida com enorme surpresa por estas professoras [Associação Nacional de Professores de Matemática] e também, presume-se, pelo resto da comunidade educativa”. Eu cito outra vez: "e também, presume-se, pelo resto da comunidade educativa." O Público, esse jornal maravilhoso e de causas, presume que houve escândalo — não conferiu, mas presume, o que é suficiente. ("–Idalina, estou aqui a fazer a primeira página, sabes quantas pessoas morreram em Boston?" "–Aí umas três, presumo." "Tens a certeza ou presumes?" "Presumo, Alcipe." "É quanto basta. Três, é isso? E quanto ao programa de matemática, como estão a ser as reacções?" "Presumo que ande toda a gente fodida nas capitais de distrito." "É assim mesmo.") Para melhorar a coisa, a jornalista transcreve a afirmação (de uma das senhoras da ANPM) de que se trata de "um ministro que não é sequer matemático e sim economista". O Público, esse jornal maravilhoso e deontológico, sabia que Nuno Crato fez o mestrado em Métodos Matemáticos e um doutoramento (nos EUA) em Matemática Aplicada, é professor catedrático de Matemática e Estatística e foi presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Sabia, mas não esteve para se maçar. ("Ó Idalina! Mas o Crato não é matemático?" "É, Alcipe. Mas as professoras dizem que não.") Que as senhoras professoras temam um programa em que os meninos tenham de saber a tabuada, isso já pia mais fino, porque é uma violência inusitada cometida sobre aqueles pobres seres que sabem manejar seis modelos diferentes de telemóvel mas não conseguem fazer uma soma de três parcelas. É o que eles fazem no 1.º ciclo. Eu sou contra as mudanças nos programas escolares durante cerca de trinta anos (acabo de prolongar um pouco a moratória), mas se for para impedir que se ensinem "matemáticas alternativas" com calculadora acoplada e, nessas idades, se insista nas "aprendizagens baseadas na mecanização de procedimentos e rotinas" em matemática, estou disposto a ponderar. 

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publicado às 15:37


São todos fachos

por Frederico V Gama, em 19.04.13

Segundo um cavalheiro que foi enviado à Venezuela pela revista Visão, e que não deixará de regressar, o derrotado Capriles Radonski, candidato da oposição, «reúne a direita radical, a classe média devota de Miami e a burguesia moderada». São quarenta e nove por cento do eleitorado venezuelano, che! Trinta e dois e meio por cento usa ou alguma vez tencionou usar bigode.

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publicado às 11:14





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