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Divulgação honesta de uma tolinha à solta

por Tiago Moreira Ramalho, em 28.05.13

Imagem de topo do blogue da jornalista Maria Teixeira Alves. Está muito contente.

 

Tive um tempo em que consumia blogosfera como quem respira. Porradas de blogues, centenas de posts. Tinha tempo e, mais do que isso, parvoíce. Acontece que fui largando muita coisa e agora leio pouco, muito pouco do que se faz em blogues. Porque há que seguir a portugalidade, leio o que escrevem os meus amigos ou o que escrevem aqueles cujas opiniões realmente contam alguma coisa. Possivelmente larguei muita coisa boa. Felizmente, deixei também de acompanhar muita tolice. É o caso aqui da Maria Teixeira Alves, que parece que é jornalista no Diário Económico e que escreve onde em tempos escrevi eu: no Corta-Fitas.

A jornalista Maria (on se tutoie, quase) começa por, não sem um travo amargo, agradecer aos deputados do PSD e do CDS que viabilizaram a co-adopção. Anuncia-lhes que (botemos aqui um bom sic) «a partir de hoje não contam com o meu voto para nada, nem, com o meu apoio.» Nem! Como diria o velho Camilo, se estas «feras objurgatórias» tivessem a «gramática à porção do fel, o governo havia de pôr as mãos na cabeça e demitir-se». Não têm, por isso não demite. Mas de onde nasce tanta revolta em Maria, excelsa jornalista do Diário Económico? Maria, amiga da maiúscula espumosa, ataca os pobres incautos que acreditam que as instituições que albergam crianças sós no mundo são piores que um casal homossexual. E porquê? Bom, porque segundo a jornalista Maria, educada senhora, nas instituições as crianças não correm o risco de chegarem à idade adulta e serem seduzidas pelos pais. Ora já viram a tontinha?

A pobre cabecinha da desgraçada da jornalista Maria parece estar em tumulto. Vai ali uma profunda diarreia (diz aqui o Rui que isso mata, ó jornalista Maria). Os enganos – nada ledos e nada cegos – são mais que muitos. Em primeiro lugar, julgo que não há nenhuma criança, inserida em qualquer família, que não corra o risco de ser seduzida pelos pais na adolescência. Que eu saiba, todos os casos de violação dentro das famílias conhecidos até hoje aconteceram no seio de famílias «naturais» (a jornalista Maria diz que a natureza é homofóbica; bota ponto de exclamação e tudo). Por isso infiro que a jornalista Maria quer dizer apenas que os homossexuais criam riscos ainda maiores. (Que patetinha. Dá vontade de abraçar.) Riscos maiores que os que existem numa família «natural» e, pasmemo-nos, maiores que os existentes numa instituição de acolhimento. A jornalista Maria andou distraída nos últimos anos e ignora o que tem acontecido nos últimos bons séculos. Com que então as instituições são um paraíso impoluto onde as criancinhas podem crescer livres das insinuações e ataques predatórios de gente doente? A pobre da Mariazinha, ai tão linda, tão destrambelhadinha. Algum médico que a recolha, antes que ela faça mal a alguém.

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publicado às 14:05


A carroça à frente dos bois

por Tiago Moreira Ramalho, em 18.05.13

O Miguel é um amigo que, lá pelas suas razões, me privou recentemente de bons serões de conversa ao ir-se para o outro lado do oceano. Hoje publico aqui um texto que ele me enviou sobre a história da co-adopção. A blogosfera é essencialmente isto - um bom serão de conversa. A imagem é ratice minha, amavelmente aquiescida pelo autor.

 

A deputada Isabel Moreira revelando muita emoção. 

 

"Só sei que nada sei", dizia o outro. Um pensamento que hoje em dia está claramente ultrapassado. Todos sabemos tudo sobre tudo. A aprovação do projecto de lei do Partido Socialista acerca da co-adopção de crianças por casais homossexuais trouxe consigo, como seria de se esperar, um variado leque de opiniões sobre o assunto. Mas o que me impressiona é a quantidade de certezas que existem sobre o tema. É óbvio que isto, é lógico que aquilo... no fundo, toda a gente é um verdadeiro expert em psicologia infantil.

Isto leva-me a crer que aprovação do projecto de lei em questão peca, não pelo seu conteúdo, mas antes pela inversão que parece ter sido operada em todo o processo: num assunto tão delicado, verdadeiramente “fracturante”, a discussão pública deveria ter vindo antes, e não depois, da votação do projecto de lei socialista. Como sucedeu, por exemplo, em relação à despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Seja por influência religiosa ou não, a sociedade moderna ainda olha de esguelha o conceito de homoparentalidade. Esta desconfiança deve-se, sobretudo, à crença generalizada de que o estilo de vida homossexual não permite um desenvolvimento equilibrado e feliz de uma criança. De facto, apesar da tolerância e aceitação de unidades familiares alternativas terem vindo a evoluir ao longo dos tempos, existem ainda várias reticências em relação à homoparentalidade, que fazem com que a sociedade actual não pareça estar ainda preparada para aceitar este tipo de opção: há um certo medo de que as relações homossexuais, por alegadamente serem “mais promíscuas e instáveis”, levem a que uma criança que cresça em semelhante meio tenha mais propensão a tornar-se homossexual e esteja mais facilmente exposta a violência doméstica, bem como a comportamentos sexuais desviantes.

Mesmo que este tipo de desconfiança tenha por base variadíssimos preconceitos que não correspondem necessariamente à realidade, a discussão em torno do bem-estar da criança é da maior importância e está longe de ser conclusiva. De facto, existem provas mais que suficientes para afirmar que o meio em que uma criança é criada a influencia psicologicamente, afectando-a em diversos aspectos da sua vida (auto-estima, crenças, controlo emocional, objectivos de vida, desempenho académico, etc.), mas o mundo científico parece, ainda assim, estar longe de ser unânime quanto à influência da homoparentalidade neste campo. Se, por um lado, vários estudos psicológicos concluem que a criança necessita tanto de uma figura masculina como de uma feminina para se desenvolver saudavelmente, outros tantos estudos demonstram, por outro lado, que os factores mais relevantes para o bem-estar da criança são aqueles que contribuam para a estabilidade do lar, bem como para a segurança, carinho, compreensão e orientação da mesma – concluindo, portanto, que o género dos pais é irrelevante neste contexto.

A questão situa-se numa “zona cinzenta” sobre a qual seria importante debater e reflectir antes de tomar qualquer medida legislativa. Sendo pacificamente aceite a necessidade da existência de um lar estável, composto por dois progenitores, a influência do género destes no desenvolvimento e bem-estar da criança continua sem evidências que permitam chegar a uma conclusão científica sólida e devidamente fundamentada. Nada parece, portanto, ser óbvio, nem mesmo para quem dedica a sua vida a estudar o tema.

Uma profunda discussão pública acerca de tão delicada matéria, que vá além de fundamentalismos religiosos, conservadores ou libertários, desmistificando uma série de preconceitos sociais e esclarecendo o melhor possível todos os cidadãos acerca dos prós e contras de uma maior abertura da sociedade à homoparentalidade deveria, portanto, surgir a priori e não como mera consequência de uma votação parlamentar. Poder-se-ia argumentar que, tendo em conta a situação actual do País, a sociedade portuguesa tem neste momento preocupações de outro tipo. Parece-me que, de facto, essa análise poderia ter sido feita com maior sensibilidade por parte dos partidos que resolveram colocar o tema na agenda política. Mas a partir do momento em que tal foi feito, deveria a sociedade ter-se mobilizado para pensar sobre o assunto, não só através dos partidos mas também da imprensa, blogosfera, redes sociais e por aí além.

Andámos mais de uma década a reflectir sobre a despenalização do aborto, que levou a confrontos políticos, referendos populares e movimentos cívicos de esclarecimento, mas não perdemos uma semana a discutir uma proposta de lei sobre um tema polémico como este. Espero que a sua talvez inesperada aprovação nos acorde a todos para o debate.

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publicado às 18:17





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