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Os trabalhos do Casanova

por Tiago Moreira Ramalho, em 28.07.13

 

Há uns dias, na entrevista que Martin Amis deu à LARB, e da qual dei conta aqui a propósito de coisas pequenas, falava-se da «democratização» (um termo francamente infeliz neste âmbito) da crítica literária (porventura ditatorial em eras já perfeitas). A coisa não é nova. No prefácio ao belíssimo «The War Against Cliché», Amis partilha a mesma preocupação, explorando-a um pouquinho mais: «The reviewer calmly tolerates the arrival of the new novel or slim volume, defensively settles into it, and then sees which way it rubs him up. The right way or the wrong way. The results of this contact will form the data of the review, without any reference to the thing behind. And the thing behind, I am afraid, is talent, and the canon, and the body of knowledge we call literature.» Sem querer parafrasear detentores do grande capital – nisto, como Martin Amis, há muitos.

Não sei se Rogério Casanova é o tipo de pessoa que comente os livros no site da Amazon, mas quando falamos de erupções espontâneas de crítica literária através de meios pouco ortodoxos, ele é um bom exemplo de que nem tudo tem de desembocar em falta de talento. Apareceu num blogue, o Pastoral Portuguesa (há uns tempos fingiu que ia voltar). Daí, foi para a revista LER, depois para o Expresso e para o Público. Estranhamente, agora só está na LER, onde tem duas gordas páginas logo à entrada, além dos ocasionais textos longos lá mais para o meio. Em tudo isto foi brilhante. O livro Pastoral Portuguesa justifica parte da afirmação. O livro Trabalhos de Casa justifica o que resta.

Entendamo-nos: Rogério Casanova não é um crítico comum. Além dos artigos de polémica (possivelmente os mais interessantes), reunem-se aqui 50 críticas a livros. Das 50 (esta contabilidade é um pouco típica nelas), 31 são a ficção de autores anglo-americanos contemporâneos (ou quase), claramente o solo preferido de Casanova. Temos, depois, 3 de crítica literária de autores anglo-americanos contemporâneos. Seguem-se 2 livros de ficção de autores anglo-americanos que não são nada contemporâneos. Há dois russos mortos, um D.H. Lawrance também morto, e o José Rodrigues dos Santos. Sobram alguns, mas não vamos detalhar mais. Este «padrão de especialização», que ficou marcadinho na entrevista que fez a Geoff Dyer para a LER, já o torna invulgar por cá. Casanova parece importado de uma revista americana.

Ainda que a completa ausência de António Lobo Antunes (nem um) nos faça duvidar, percebemos que é português pela escrita. Não quero gastar aqui o Wilde, mas, enfim, é Domingo, e o homem escreve maravilhosamente. É um artista. Repete-se em algumas fórmulas. Ele mesmo nos avisa no prefácio para algumas. Por exemplo, na página 86 escreve: «uma cultura literária mais sã seria capaz de indentificar Freedom como aquilo que é» (o resto não interessa agora); na página 92, com o livro já editado em português, explica-nos que «uma cultura mais sã talvez pudesse ter recebido Liberdade como aquilo que é». É verdade que aquela é de Dezembro de 2010 e esta de Abril de 2011, e a suavização do tom (olhe-se para o «talvez») pode revelar que Casanova repensou a questão, que já não acha tudo tão evidente, tão, pronto, a preto e banco, e tal. Porque somos magnânimos, deixamos escapar.

O que importa aqui, porque é isso que se procura num livro desta natureza, é que Rogério Casanova nos ensina a ler. Isto será um cliché, mas nem todos são maus. O dever do crítico é, através do exemplo, ensinar-nos a ler melhor. A captação de pequenas malandrices (e aqui alargamos o âmbito) só é possível através da aprendizagem com quem o faz melhor. No prefácio do livro, Rogério Casanova pede-nos desculpa. Da minha parte, está tudo bem.

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publicado às 16:39






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