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Coisas que não mudam

por Tiago Moreira Ramalho, em 17.05.13

David Hume a seguir ao banho.


Os economistas acreditam que «mais é melhor». Compreende-se: de um modo geral, não será difícil assumir que uma pessoa vai gostar da ideia de ter mais coisas. Consumo, e com ele utilidade, é felicidade, já dizia o gorducho Hume. No entanto, se a ideia parece apelativa num quadro de pobreza generalizada, em que o «mais» significa tantas vezes sobreviver mais uma semana à conta de umas batatas, não será difícil que a ideia gere dúvidas quando a sobrevivência se torna menos preocupante e o objectivo passa a ser aumentar o conforto. E aí é quando a porca, perdoe-se-nos a deriva folclórica, torce o rabo. Porque o «mais» que é «melhor» não é, como diria o Sr. Presidente da República, grátis. O «mais» implica geralmente trabalhar mais. Mostraria um gráfico ao leitor, mas em vez disso remeto-o para um já feito por pessoas razoavelmente competentes. Quando numa sociedade se consegue com alguma eficácia resolver problemas de miséria extrema, além de criar sistemas de protecção na doença e tantos outros, os cidadãos entram naquilo a que, com alguma pompa, se poderá chamar um estádio pós-materialista. A mente do cidadão comum deixa de ficar conspurcadinha com as minudências da vida terrena e começa-se a falar em casamento homossexual. Ademais, o cidadão passa a não desperdiçar metade do seu dia a desempenhar tarefas que o fazem infeliz em troca dos bens que lhe permitem a existência (infeliz; não é curioso?), mas sim a ocupar, com alguma leveza, o seu dia a desenvolver actividades que o estimulam. Marxianamente, o cidadão passa a fazer do trabalho uma manifestação pública do seu Eu (entrámos nas maiúsculas).

 

 

Marx a fumar um grande charuto.

 

Se o simples enriquecimento das sociedades é só por si um fenómeno bem catita, mais catita ainda poderá ser a transformação que sugere Jerry Brito em dois posts do The Umlaüt. Em tempos, uma mansão com exércitos de criados, estábulos e restante parafernália de riqueza foi um ideal de felicidade largamente partilhado. Hoje parece bastante provável que a partilha não seja já tão pesada. Mais do que isso, encara-se com manifesta desconfiança o esbanjamento de dinheiro em bens supérfluos (pense-se, a título de exemplo cá na terra, nas reacções à campanha publicitária da Samsung: a pobrezinha da Pépa só queria mesmo uma mala daquelas que dão com tudo). E isto poderá parecer, como pareceu ao Jerry Brito, indiciador de uma nova forma de vida: uma que nega o sagrado princípio de que mais é melhor. A frugalidade, o desprendimento, a moderação. Eu não vejo a coisa assim. A natureza é uma safada reaccionária, e a nossa em particular é um belíssimo exemplar disso mesmo. Podemos dar um cada vez maior valor à realização pessoal e ao lazer, estando naturalmente dispostos a abdicar de maiores remunerações (e, portanto, daquilo que o dinheiro compra). Mas isto é muito diferente de encarar a «vida simples» como um fim. Mudamos (como sempre) alguma coisa, mas no fundo tudo fica na mesma. Descansem, portanto, os economistas – poderão ainda durante muitos e bons anos expressar os seus Eus (acabaram-se as maiúsculas).

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publicado às 23:44






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